Por Alex Jucius, Ademir Antonio Pereira Jr. e Yan Villela Vieira

Todo o espectro da telefonia móvel estará nas mãos de três operadoras

Conta-se que Albert Einstein, para explicar as características físicas do espectro de radiofrequências – ou seja, como pulsos eletromagnéticos viajam em ondas entre pontos distintos – teria dito que “o telégrafo baseado em cabos é como um gato bem comprido. Você puxa seu rabo em Nova York e sua cabeça grita em Los Angeles. Você entende isso? E o rádio opera exatamente da mesma forma: você envia sinais aqui e eles recebem lá. A única diferença é que não há nenhum gato”.

Apesar da controvérsia sobre se Einstein teria ou não dito isso, a alegoria revela dois pontos centrais da tecnologia utilizada na telefonia móvel. Primeiro, comunicações por fio e sem fio têm muito em comum. Segundo, e mais importante, a ausência do “gato” de Einstein, ou seja, de um meio tangível para transmissão da informação (como um cabo de cobre ou fibra ótica), tem repercussões fundamentais para a dinâmica do mercado. Enquanto na telefonia e internet fixas é fácil identificar o detentor do cabo ou fibra, no caso da telefonia móvel as ondas eletromagnéticas viajam pelo ar. Mas quem tem controle sobre o uso do ar para transmitir informações? E se diversos agentes transmitirem ao mesmo tempo, gerando interferências uns sobre os outros?


Alex Jucius, presidente da Associação Neo, e Ademir Antonio Pereira Jr. e Yan Villela Vieira, sócios da Advocacia José Del Chiaro

Na ausência do “gato”, tradicionalmente o Estado intervém para regular o uso do ar – ou melhor, das faixas de frequência que compõem o espectro eletromagnético. Essa regulação baseia-se na ideia de que o espectro é um bem público limitado – como recurso escasso, sua livre utilização por particulares causaria exaustão e descontroladas interferências de sinais. No Brasil cabe à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) administrar o espectro de radiofrequências, expedindo as respectivas autorizações de uso.

A absorção das faixas de espetro da Oi aumentará a barreira de entrada de novos agentes no leilão de 5G

Para oferecer o serviço de telefonia móvel, que permite que smartphones se conectem à internet e façam chamadas de voz, as operadoras utilizam determinadas faixas de espectro (canais de TV aberta, por exemplo, utilizam outras faixas). Nas últimas duas décadas, elas vêm se concentrando cada vez mais em quatro grandes operadoras: Telefônica/Vivo, Tim, Claro e Oi.

E a concentração do espectro parece estar à beira de uma piora significativa. Resultado de um longo processo de recuperação judicial, a Oi passa por um processo de alienação de ativos, incluindo aqueles de telefonia móvel agrupados na unidade produtiva isolada (UPI) “Oi Móvel”. Essa UPI inclui não só os clientes da Oi, mas também as faixas de espectro detidas pela Oi (que reúne perto de 25% das frequências autorizadas pela Anatel em algumas regiões). Como amplamente divulgado, um consórcio formado por Telefônica/Vivo, Tim, Claro (TTC) arrematou esses ativos no leilão realizado.

Assim, caso a venda da Oi Móvel para o TTC se concretize, quase 100% do espectro outorgado pela Anatel estará nas mãos das três operadoras. Esse aumento da concentração tende a gerar efeitos negativos extremamente duradouros para a concorrência e, consequentemente, para os consumidores brasileiros.

Primeiro, sem autorização de uso do espectro, outras empresas não podem entrar no mercado. Diferente da banda larga fixa, por exemplo, em que a entrada depende de altos investimentos em infraestrutura para “fibrar” determinada região, sem acesso a faixas de espectro a entrada em telefonia móvel não é possível. Não basta ter dinheiro e vontade de investir – é preciso, antes de tudo, receber a outorga da Anatel. Ao adquirir o espectro da Oi, o TTC inviabiliza a entrada de novos competidores no mercado, garantindo um duradouro triunvirato.

De fato, a união para aquisição da Oi Móvel é um movimento coordenado para impedir entrada de novos agentes. Existe significativa ineficiência na utilização do espectro pelos membros do TTC hoje – eles detêm muito espectro que não é utilizado ou, ao menos, é subutilizado. Nesse sentido, somente cerca de 10% do território brasileiro tem cobertura 3G ou 4G, e parcela substantiva da população sofre com ausência de investimentos e uso de tecnologias obsoletas. Portanto, na maior parte das regiões, os membros do TTC não necessitam de mais espectro (a não ser para bloquear a entrada de rivais).

Segundo, se o TTC absorver as faixas de espectro da Oi, aumentará a barreira de entrada de novos agentes no leilão do 5G, dada a impossibilidade de acesso por entrantes às redes 2G, 3G e 4G em suas áreas de prestação. O acesso às redes 2G, 3G e 4G da TTC é fundamental para viabilizar a competitividade de qualquer entrante e investimentos progressivos em infraestrutura 5G em regiões com baixo interesse econômico. Contudo, a regulamentação atual da Anatel não é suficiente para garantir esse acesso para potenciais entrantes.

Finalmente, a concentração pretendida pelo TTC é inadmissível ao se considerar o contrafactual, ou seja, o que ocorreria sem a aquisição da Oi Móvel pelo TTC. A oferta de R$ 15 bilhões que havia sido apresentada por um entrante é uma indicação clara de que os ativos da Oi Móvel são valiosos e que, na ausência da ação coordenada do TTC, haveria a entrada de novo agente, intensificando a competição. Contudo, a coordenação de três dos principais grupos de telecomunicações no Brasil (e globalmente) inibiu a concorrência de potenciais rivais pelos ativos – a força conjunta do TTC foi capaz de silenciar outras ofertas, a despeito do grande valor dos ativos.

A aquisição agora se sujeita ao crivo da Anatel e do Cade. É crucial que os órgãos reguladores atuem para impedir a concentração excessiva e reverter a falta de mecanismos efetivos de acesso a espectro e redes por terceiros interessados. Essas questões precisam ser enfrentadas para que o Brasil continue avançando na era digital. O processo de venda da Oi Móvel é peça chave nesse contexto.. A democratização do uso do espectro é a fronteira que precisamos ultrapassar para promover maior concorrência e inclusão digital no serviço móvel.


Alex Jucius é engenheiro pela USP e presidente da Associação Neo, que reúne 160 operadoras de telecomunicações de pequeno porte.

Ademir Antonio Pereira Jr. é advogado, doutor pela USP e mestre em Direito e Tecnologia pela Stanford University.

Yan Villela Vieira é advogado e mestrando em Direito pela USP.

Publicado no Valor Econômico.