Acordos entre departamentos de recursos humanos de empresas mancomunadas criam uma armadilha kafkiana para profissionais em busca de novas oportunidades de trabalho
Chega aquele dia. Você está ok com o seu trabalho, mas sente que sua carreira empacou. Sabe que, na empresa onde está, a chance de promoção ou de aumento é quase nula, por mais que elogiem os resultados que você entrega. Hora de explorar o mercado de trabalho e procurar um lugar melhor. E opa: uma empresa bacana está com vagas abertas, justamente na sua área. Currículo daqui, entrevista de lá… Tudo indica que você se encaixa no cargo e que o entrevistador gostou do seu perfil. Até que vem a notícia: não rolou. “Muito obrigado, você foi excelente no processo seletivo. Mas decidimos por outra pessoa.”
Vida que segue. Até que um dia vem o plot twist: você descobre que não conseguiu a vaga porque sua empresa atual bloqueou a contratação por debaixo dos panos. E se sente o próprio Josef K, o personagem de Franz Kafka acuado por uma teia torturante de intrigas, no livro O Processo.
Parece absurdo. É absurdo. Mas aconteceu algo parecido com Fernando*. Ele atua na área de tecnologia e trabalhou em uma mesma companhia por mais de 15 anos. “Eu já estava há sete anos lá. Vi que um dos nossos fornecedores abriu uma vaga, no escritório que eles têm nos EUA. Gostei e me inscrevi. Mas logo depois o meu gestor me chamou e perguntou por que eu enviei o meu currículo.”
Foi quando ele descobriu que havia um “acordo de cavalheiros” entre as duas empresas, de jamais contratar funcionários uma da outra. Isso não estava no contrato de trabalho, claro. “Um ex-colega já tinha saído da companhia um ano antes, e também não conseguiu ser contratado”, relembra. Bom, “acordo de cavalheiros” é um eufemismo. O que temos aí é um caso de formação de cartel – um mecanismo ilegal que barra a concorrência.
Cartéis de formação de preços lesam o consumidor. É o que acontece quando postos de gasolina de um bairro combinam na surdina o valor que vão cobrar pelo combustível. Cartéis de retenção de funcionários, como o que pode ter barrado Fernando, lesam o trabalhador. Não se trata de um caso isolado, atípico. Tanto que há uma investigação sobre o assunto em andamento no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), o órgão público que tem por missão proteger a livre concorrência e combater a formação de cartéis e monopólios.
Para evitar situações desse tipo, países como EUA e Japão desenvolveram guias antitruste para os departamentos de recursos humanos. Os documentos deixam claras quais práticas de RH são consideradas ilícitas, e quais não. Estão proibidas as trocas de informações sobre composição salarial, fixação de remuneração e de benefícios com outras empresas, além de acordos de não contratação.
Esses guias antitruste são importantes porque o Cade pode se basear neles para tomar uma decisão sobre o cartel dos RHs. “Em média, um processo normal do Cade leva cinco anos para ser concluído. Esse dos RHs, por ser novidade e ter muitas empresas envolvidas, deve demorar ainda mais. Durante esse período, a instituição deve entender como os outros países estão fazendo”, diz Ademir Pereira Jr., especialista em direito da concorrência e sócio do escritório de advocacia José Del Chiaro.
Se condenadas por formação de cartel, as companhias envolvidas no processo do Cade terão de pagar uma multa de até 20% do valor do seu faturamento anual. Mas, como Ademir lembrou, ainda tem chão. Se você acha que a empresa onde você trabalha tem acordos sinistros com os pares dela, e que isso está travando sua carreira, terá de mover alguns pauzinhos.
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