207ª Sessão Ordinária do Tribunal do CADE, realizada em 14 de dezembro de 2022.
Pautas, atas e áudio da sessão disponíveis em https://www.gov.br/cade/pt-br

 

Destaques do CADE


STJ confirma obrigação de reparar danos decorrentes de cartel

O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu conhecer, mas negar provimento, a Recurso Especial[1] interposto pela Siemens Ltda. (“Siemens”) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (“TRF4”) que reconheceu a obrigação de reparar danos decorrentes de cartel sob o fundamento de que o prejuízo à coletividade é presumido em casos de fraude à licitação.

Em junho de 2021, o TRF4 decidiu condenar a Siemens, em sede de ação civil pública, à obrigação de compensar a coletividade por danos decorrentes de cartel envolvendo licitações do metrô do Distrito Federal. A Siemens recorreu da decisão alegando que inexistiria prova de dano material. Ademais, segundo a Siemens, a obrigação de reparar danos estaria prescrita, pois o prazo prescricional começaria a correr desde a assinatura do contrato supostamente fraudulento, firmado mais de cinco anos antes da propositura da ação civil pública julgada procedente pelo TRF4.

O Ministro Relator Gurgel de Faria do STJ, contudo, negou provimento ao recurso interposto pela Siemens. Segundo o Relator, “o dano decorrente de fraude a processo licitatório é presumido, uma vez que o prejuízo decorre da impossibilidade da contratação pela Administração da melhor proposta”. Ademais, o Ministro Relator entendeu que a jurisprudência do STJ é firme em relação à aplicação de prazo quinquenal para propositura de ações civis públicas em casos de danos decorrentes de condutas anticompetitivas, sendo que o termo inicial passaria a correr somente depois da cessação dos efeitos. Segundo o Relator, “uma vez que o dano se protraiu no tempo, enquanto o contrato permaneceu produzindo os seus efeitos, estendeu também no tempo, em contrapartida, a pretensão de repará-lo, pelo que o termo inicial do lustro prescricional coincidiu com o término do ajuste”. Dessa forma, o Relator decidiu que a ação para reparação de danos não estaria prescrita, condenando a Siemens ao pagamento de R$ 14.4000.000,00 por dano moral coletivo, bem como por dano material a ser estimado em sede de liquidação de sentença.

 

Destaques da Superintendência-Geral do CADE


SG arquiva investigação de gun jumping envolvendo compra de ações da brMalls

A SG decidiu arquivar investigação envolvendo aquisições, por Canada Pension Plan Investment Board (“CPPIB”) e Aliansce Sonae Shopping Centers S.A. (“ALSO”), de participação societária na brMalls Participações S.A. (“brMalls”) em oferta pública de ações, supostamente consumada sem a aprovação prévia do CADE (“gun jumping”)[2].

A brMalls é uma sociedade anônima de capital aberto que detém participações em shoppings centers. O CPPIB é um fundo de pensão canadense que integra o bloco de controle da ALSO, uma sociedade anônima de capital aberto que também detém participações em shoppings centers. A investigação foi instaurada em março de 2022 a partir de uma representação da brMalls. Segundo a representante, a ALSO realizou sucessivas aquisições na bolsa de valores que resultaram em aquisição de participação de mais de 5% do seu capital social. Para a brMalls, embora operações envolvendo oferta pública de ações não dependam da aprovação prévia do CADE para serem consumadas, o adquirente não pode exercer direitos políticos na empresa-alvo antes de aprovação do CADE. Contudo, o CPPIB e a ALSO teriam se valido da participação societária adquirida para solicitar informações corporativas com o objetivo de influenciar votações em assembleias de acionistas da empresa. Dessa forma, a brMalls solicitou a abertura de investigação para apurar configuração de gun jumping. A SG instaurou investigação e expediu ofício solicitando manifestações do CPPIB e da ALSO.

O CPPIB apresentou manifestação alegando que não teria ultrapassado 5% do capital social detido na brMalls por intermédio da ALSO, de forma que a operação não seria de notificação obrigatória. A ALSO, por sua vez, reconheceu que teria acumulado participação superior a 5% do capital social da brMalls. Contudo, a prática de gun jumping não estaria configurada porque a mera solicitação de informações não exigira a aprovação prévia da operação pelo CADE.

Após concluir sua análise, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, CPPIB e ALSO adquiriram de fato participação societária sobre a brMalls, empresa concorrente, de forma que a compra de ações seria, em tese, de notificação obrigatória. No entanto, para aquisições de participação por meio de oferta pública de ações, não há vedação à consumação das operações antes de aprovação pelo CADE, mas tão somente vedação ao exercício de direitos políticos na empresa-alvo antes da aprovação. Não existiriam, contudo, indícios de exercício de direitos políticos sobre a brMalls, já que a simples solicitação de informações corporativas seria um mecanismo de proteção a investidores minoritários previsto em normativa da CVM. Além disso, as partes teriam informado desde a primeira manifestação nos autos que pretendiam notificar a operação ao CADE antes do exercício de direitos políticos, o que de fato ocorreu em julho de 2022[3]. Dessa forma, a SG concluiu que não houve gun jumping.

 

SG decide não conhecer operação envolvendo cooperação aeronáutica

A SG decidiu não conhecer operação envolvendo acordo de cooperação por meio do qual a CMA CGM S.A. (“CMA”) e a Air France KLM S.A. (“KLM”) pretendem coordenar suas redes de transporte aéreo de carga, bem como comercializar produtos e serviços conjuntamente aos consumidores[4].

A CMA é uma empresa que atua nos segmentos de agenciamento de fretes e contratos logísticos, incluindo na modalidade aérea. A KLM é uma empresa que atua no segmento de transporte aéreo de passageiros e de cargas, bem como em serviços auxiliares. No Brasil, a KLM opera voos de transporte de passageiros e de cargas com destino à Europa. Por meio da operação, as partes pretendem gerenciar, precificar e comercializar conjuntamente suas rotas, bem como deter acesso recíproco às aeronaves uma da outra.

As requerentes notificaram a operação ad cautelam, argumentando que o acordo de cooperação não seria um contrato associativo nos termos da Resolução CADE nº 17/2016. Segundo as requerentes, não existiriam sobreposições horizontais entre suas atividades nos mercados potencialmente afetados pela operação antes da entrada em vigor do acordo notificado, de forma que as partes não poderiam ser consideradas concorrentes. A operação, portanto, não cumpriria um dos requisitos da Resolução CADE nº 17/2016 para caracterizar contrato associativo de notificação obrigatória ao CADE.

De fato, a SG decidiu não conhecer a operação. Segundo a SG, a KLM opera rotas de transporte aéreo de carga entre o Brasil e a Europa, mas não atua como agenciadora de frete. Já a CMA não opera rotas de transporte aéreo de carga com origem ou destino no Brasil, mas apenas gerencia rotas de frete aéreo. Ainda, o CADE não considera que as atividades de agenciamento de frete integram o mesmo mercado relevante dos serviços de transporte de carga. Dessa forma, as requerentes realmente não seriam consideradas concorrentes para fins de caracterização da operação como contrato associativo.

 

SG conhece operação envolvendo plataforma de pagamentos virtuais fora do Brasil

A SG decidiu conhecer operação envolvendo a aquisição, pela Mastercard UK Holdco Limited (“Mastercard”)[5], de participação no capital social da FERMR Holdings Limited (“FERMR”).

A Mastercard é uma empresa constituída sob as leis da Inglaterra e do País de Gales que integra o Grupo Mastercard, um grupo global do segmento de sistemas de pagamento. A FERMR também é uma empresa constituída sob as leis da Inglaterra e do País de Gales, controladora da Conferma Limited (“Conferma Pay”), uma plataforma online que opera uma rede de cartões virtuais com foco em reserva de voos corporativos e acomodações. A operação foi notificada ad cautelam, tendo as empresas argumentado que não produziria qualquer efeito material no Brasil. Segundo as requerentes, a Mastercard não concorreria com a atividade principal da Conferma Pay, referente à conectividade entre emissores de cartão, agências de viagens e usuários da plataforma.

A SG, contudo, decidiu conhecer a operação. Segundo a SG, as atividades da Conferma Pay seriam similares àa de uma subcredenciadora, pois ela seria uma intermediária entre o cliente, de um lado, e o estabelecimento comercial e o credenciador, de outro. Nesse sentido, a operação poderia ensejar integração vertical entre as atividades de instituidora de meios de pagamento, pela Mastercard, e de subcredenciadora, pela Conferma Pay. Além disso, a Conferma Pay teria processado transações financeiras envolvendo empresas brasileiras por meio de sua própria plataforma, de forma que haveria efeitos no Brasil. De qualquer maneira, a SG decidiu aprovar a operação sem restrições, dado que a participação da Conferma no Brasil seria limitada.

 

SG investiga suposto abuso de posição dominante pela Apple

A Superintendência-Geral do CADE (“SG”) decidiu instaurar investigação[6] para apurar suposto abuso de posição dominante, por Apple Inc. e Apple Computer Brasil Ltda (“Apple”), no mercado de distribuição de aplicativos para dispositivos móveis com sistema operacional iOS. O caso teve início após a apresentação de representação por Ebazar.Com.Br. Ltda. (“Mercado Livre”).

Segundo a representação, a Apple deteria posição dominante no mercado de distribuição de aplicativos para dispositivos móveis com sistema operacional iOS. Essa definição de mercado seria justificável porque usuários enfrentariam altos custos de troca entre sistemas operacionais após a aquisição de um dispositivo móvel, de forma que o iOS estaria em um mercado relevante específico. A Apple, então, estaria se valendo da posição estratégica da App Store como canal exclusivo para distribuição de aplicativos dentro do iOS para impor regras anticompetitivas em seus Termos e Condições de Uso, em especial proibindo que desenvolvedores de aplicativos vendam e distribuam bens e serviços digitais de terceiros fora do ecossistema Apple, que seja feita qualquer referência ou direcionamento a sistemas de pagamento de terceiros na App Store, bem como obrigando que toda transação em aplicativos vendidos por meio da App Store utilize o sistema de pagamentos da própria Apple. Para o Mercado Livre, tais regras seriam discriminatórias e permitiriam que a Apple feche o mercado de bens e serviços digitais e distribuição de bens e serviços digitais.

A SG instaurou, então, Procedimento Preparatório para averiguar se as condutas relatadas seriam de competência do CADE, e enviou ofício à Representada. A Apple apresentou manifestação alegando que não deteria posição dominante, destacando que o iOS compete com outros sistemas operacionais para dispositivos móveis; segundo a empresa, sua participação no segmento de sistemas operacionais alcançaria menos de 20%. Além disso, existiriam outros canais para que players como o Mercado Livre alcancem os consumidores, incluindo outras lojas de aplicativos e buscas na web. A Apple também alegou que a representação seria decorrente de interesses privados, pois teria resultado de uma rejeição, pelos Termos e Condições de Uso da App Store, de um programa de fidelidade do Mercado Livre.

A SG entendeu que o CADE é competente para analisar o caso, já que “as supostas práticas restritivas denunciadas, por derivarem da aplicação das disposições contidas nas políticas da Apple, aplicáveis para todos os desenvolvedores, extrapolam a relação privada entre as Partes, sendo capazes de afetar todo o mercado”. Assim, a SG converteu o Procedimento Preparatório em Inquérito Administrativo para prosseguir com a análise.

 

SG arquiva investigação envolvendo suposto abuso em programas de milhas aéreas

A SG arquivou investigação que buscava apurar suposto abuso, pelas empresas Multiplus S.A (“Multiplus”) e Smiles Fidelidade S.A. (“Smiles”), consistente na limitação de uso de seus programas de milhagem por consumidores[7].

Em novembro de 2019, a SG instaurou investigação por decorrência de um ofício encaminhado pelo Ministério Público Federal (“MPF”) contendo supostos indícios de condutas anticompetitivas praticadas por companhias áreas, consistentes na limitação de uso de seus programas de milhagem. Em maio de 2022, a SG arquivou a investigação, por entender que tais práticas seriam matéria de direito do consumidor e não envolveriam indícios de efeitos anticompetitivos. No entanto, em junho de 2022, o Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, homologar despacho de avocação apresentado pelo Conselheiro Sérgio Ravagnani. Segundo o Conselheiro, limitações no uso de milhas áreas poderiam configurar abuso de poder econômico caso as companhias aéreas detivessem incentivo para prejudicar empresas de intermediação de milhas, a fim de reduzir a pressão competitiva de suas atividades sobre os preços das passagens aéreas. Dessa forma, o Conselheiro determinou que a SG realizasse investigações adicionais.

A SG converteu, então, o Procedimento Preparatório em Inquérito Administrativo, bem como expediu ofícios às empresas de intermediação de milhas e às companhias aéreas. Segundo apurado pela SG, os programas de milhagem das companhias aéreas possuiriam de fato restrições. Contudo, a SG verificou que tais restrições seriam amplamente difundidas em diversos segmentos de mercado, tanto no Brasil, quanto no exterior. Além disso, não existiriam indícios complementares de suposta conduta anticompetitiva, nem de potenciais efeitos. Segundo a SG, não seria possível concluir que intermediadoras de milhas aéreas exerceriam pressão competitiva sobre os preços das passagens aéreas, dado que o percentual de venda de passagens por meio das intermediadoras não é relevante o suficiente para influenciar o preço das passagens. Portanto, ainda que se considerasse conservadoramente que as companhias aéreas tivessem algum incentivo para fechar o mercado, ainda assim não seria possível concluir que restrições ao uso dos programas de milhagem gerassem algum prejuízo às intermediadoras. Dessa forma, a SG arquivou novamente a investigação.

 

SG instaura investigação para apurar suposta venda casada envolvendo a OLX

A SG decidiu instaurar investigação para apurar suposta venda casada, pela Representado Bom Negócio Atividades de Internet Ltda. (“OLX”), no mercado de plataformas para anúncios imobiliários[8]. Segundo a SG, foram apresentadas denúncias apontando que a OLX estaria condicionando a contratação dos serviços de uma de suas plataformas para anúncios imobiliários à contratação simultânea dos serviços das demais plataformas do seu grupo econômico.

Dessa forma, a SG decidiu instaurar Procedimento Preparatório para averiguar se a conduta é de competência do CADE. A OLX apresentou manifestação sobre a investigação, afirmando que (a) isso é falso, já que é possível anunciar na plataforma OLX de forma independente e separadamente de outras plataformas, (b) o que ocorreu foi o lançamento de um serviço novo, o ZAP+, que permite o acesso centralizado às plataformas OLX, Zap Imóveis e Viva Real e (c) mesmo que o ZAP+ fosse seu único produto, não haveria venda casada já que não se trata da junção de produtos relacionados a mercados distintos, não há coerção para que os usuários adquiram os planos ZAP+ e a OLX não detém poder de mercado.

 

SG investiga suposto cartel hub and spoke no mercado de inteligência de negócios

A SG decidiu instaurar investigação para apurar suposto cartel hub and spoke envolvendo licitações no mercado de “inteligência de negócios”, tais como fornecimento de serviços de consultoria e manutenção à Administração Pública[9].

Em setembro de 2020, a SG celebrou Acordo de Leniência com a empresa MicroStratregy Brasil Ltda. (“MicroStratregy”), que levou ao conhecimento do CADE um suposto cartel entre empresas de inteligência de negócios que forneceram serviços por meio de licitações realizadas entre 2014 e 2020. Segundo a signatária do acordo de leniência, ela e seus revendedores que participariam dos certames elegiam uma empresa para vencer a licitação. A vencedora seria então responsável por coordenar a participação das demais empresas participantes do certame, mediante (i) fixação de preços e condições comerciais, (ii) divisão de mercado e (iii) troca de informações concorrencialmente sensíveis, facilitada pela MicroStratregy. A mesma conduta foi objeto das operações “Gaveteiro” e “Circuito Fechado”, realizadas pela Polícia Federal.

Segundo a SG, a prática poderia configurar cartel hub and spoke, em que uma empresa verticalmente integrada, no caso a MicroStrategy, serve como facilitadora do conluio (entre os revendedores da MicroStrategy, no caso). Dessa forma, a SG decidiu instaurar Processo Administrativo a fim de investigar a prática.

 

SG arquiva investigação envolvendo plano de recuperação judicial da Avianca

A SG decidiu arquivar investigação envolvendo supostas preocupações concorrenciais no mercado de transporte aéreo de passageiros decorrentes da venda de unidades produtivas da Oceanair Linhas Aéreas S.A. e AVB Holding S.A. (“Avianca”), conforme previsto em seu plano de recuperação judicial, à GOL Linhas Aéreas Inteligentes (“GOL”) e à Latam Airlines Brasil (“Latam”)[10].

A investigação remonta a 2018, quando a Avianca apresentou plano de recuperação judicial, pretendendo desinvestir Unidades Produtivas Isoladas (“UPIs”) no mercado de transporte aéreo de passageiros à Gol e à Latam. Segundo manifestação do DEE à época, o desinvestimento das UPIs da Avianca à Gol e à Latam geraria sérias preocupações concorrenciais, dada a alta concentração no mercado de transporte aéreo de passageiros. Dessa forma, a SG decidiu instaurar investigação, expedindo ofícios à Avianca, GOL, Latam, Azul e à empresa que elaborou o plano de recuperação.

A Azul apresentou manifestação alegando que existiriam indícios de suposta conduta coordenada entre GOL e Latam. Segundo a Azul, a Avianca teria elaborado um plano de desinvestimento inicial contendo a alienação de uma única UPI com todas suas faixas de hora para utilização de aeroportos (slots), a fim de torná-la atrativa a eventuais entrantes. Contudo, após negociações com a GOL e Latam, a Avianca teria alterado o plano de recuperação judicial a fim de alienar 7 UPIs contendo, cada qual, uma quantidade de pares de slots inferior à escala mínima viável do setor. Segundo a Azul, o objetivo seria elevar artificialmente as barreiras à entrada, a fim de que a GOL e a Latam dominassem especialmente os slots envolvendo a ponte área entre o Rio de Janeiro e São Paulo, responsável pelo maior número de voos da América Latina e pela quarta maior rota do mundo. Ademais, a Azul também alegou que a documentação da GOL e da Latam seria estritamente similar e que, como evidência da conduta concertada, apenas as duas empresas apresentarem lances no leilão judicial da Avianca, cada qual para UPIs distintas.

As representadas argumentaram que não houve qualquer comunicação entre as partes, dado que as negociações da GOL e da Latam foram conduzidas unicamente junto à empresa que elaborou o plano de recuperação judicial da Avianca, cada qual com equipes distintas. Além disso, o desmembramento das UPIs em lotes menores seria pró-competitivo, pois permitiria a aquisição de slots com menor aporte financeiro. As semelhanças entre a documentação seriam justificadas, pois refletiriam as mesmas questões fáticas e procedimentais, sendo que o mero fato do leilão judicial da Avianca não apresentar lances de outras empresas não seria suficiente para configurar uma conduta concertada.

De fato, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, não existiriam indícios de comunicação ou compartilhamento de informações sensíveis entre as empresas durante as negociações. Ademais, a SG acolheu as justificativas conjunturais para as semelhanças entre as documentações, sendo que a simples apresentação de propostas UPIs distintas não seria suficiente, por si só, para configurar uma conduta concertada. Por fim, a SG também entendeu que o segundo plano de recuperação judicial apresentado pela Avianca seria pró-competitivo, já que permitiria que terceiros negociassem com a Avianca antes da fase do leilão, bem como apresentassem propostas de cobertura durante o leilão, diferentemente do primeiro plano apresentado pela Avianca, que concedia tais prerrogativas apenas à Azul.

 

SG arquiva investigação envolvendo suposta sham litigation em processos da ANTT

A SG decidiu arquivar investigação[11] envolvendo suposta prática de abusivo do direito de petição (sham litigation) por empresas do mercado de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (“TRIIP”).

A investigação teve origem em representação apresentada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”) em julho de 2020. Segundo a ANTT, empresas do TRIIP estariam protocolando uma quantidade excessiva de impugnações em processos administrativos referentes à concessão de outorga de linhas interestaduais e internacionais, bem como apresentando ações em âmbito judicial para contestar a validade desses mesmos processos. Para a ANNT, tal conduta poderia configurar espécie de sham litigation porque as ações não teriam fundamento jurídico legítimo, já que as empresas impugnantes não atuariam na área geográfica das concessões impugnadas e se valeriam, concomitantemente, dos mesmos fundamentos impugnados para solicitar a concessão de linhas rodoviárias em outros procedimentos administrativos da ANTT. Dessa forma, a SG decidiu instaurar Inquérito Administrativo e expediu ofícios a empresas e entidades representativas do setor.

Conforme apurado pela SG, as impugnações administrativas e ações judiciais foram apresentadas por empresas do setor após alterações legislativas que permitiram à ANTT outorgar linhas rodoviárias sem a necessidade de licitações prévias. Nesse sentido, a SG entendeu que o exercício do direito de petição possuiria plausibilidade e legitimidade mínima, já que as ações eram apresentadas com o propósito de contestar a legalidade de processos administrativos da ANNT que não exigiram licitação prévia para concessão de linhas rodoviárias, o que contrariaria prática consolidada há décadas pela agência e teria o potencial de afetar interesses econômicos das empresas do setor. Além disso, as impugnações e ações judiciais possuíam conteúdo eminentemente jurídico, de forma que não existiam indícios de informações fraudulentas. Por fim, tais ações não teriam o condão prejudicar a concorrência, já que protocoladas em face da ANTT e não de rivais. Dessa forma, a SG decidiu arquivar a investigação por ausência de indícios mínimos de prática de sham litigation.

Destaques da Sessão de Julgamento


Tribunal aprova incorporação da SulAmérica pela Rede D’Or sem restrições

O Tribunal do CADE decidiu, por maioria, aprovar sem restrições operação envolvendo a incorporação da Sul América S.A. (“SASA”) pela Rede D’Or São Luiz S.A. (“Rede D’Or”)[12], com a respectiva combinação de negócios e unificação da base acionária das empresas.

A Rede D’Or é a empresa controladora do Grupo Rede D’Or, que atua no setor de saúde por meio de hospitais próprios, clínicas e laboratórios, além de exercer atividades residuais como administração hospitalar e corretagem de seguros. A Rede D’Or detém participação de 28,9% na Qualicorp Consultoria e Corretora de Seguros (“Qualicorp”). A SASA é a controladora do Grupo SulAmérica, que atua nos segmentos de saúde, odontológico e proteção financeira. A operação foi notificada em 13 de junho de 2022 e envolveu sobreposições horizontais nos mercados de planos de saúde médico-hospitalares individuais, coletivos empresariais e coletivos por adesão, bem como integrações verticais entre (i) as atividades de planos de saúde do Grupo SulAmérica e de diversos serviços de cuidado à saúde do Grupo Rede D´Or, (ii) as atividades de seguros e planos de previdência do Grupo SulAmérica e de corretagem de seguros do Grupo Rede D’Or e (iii) as atividades de planos de saúde da SulAmérica e de terceirização de administração de benefícios da Qualicorp, detida pela Rede D’Or.

Durante a instrução da operação, a SG habilitou nove terceiros interessados que apresentaram potenciais preocupações concorrenciais decorrentes da operação. A SG, contudo, aprovou a operação sem restrições. Segundo a SG, as participações de mercado combinadas das requerentes seriam limitadas e não levantariam preocupações suficientes para justificar a imposição de remédios. Ademais, a SG decidiu afastar potenciais riscos de compartilhamento de informações sensíveis entre as empresas. Segundo a SG, as informações do mercado seriam agregadas, em grande medida disponibilizadas aos demais agentes do setor e dotadas de restrições setoriais para o compartilhamento, além de serem defasadas e não permitirem a produção de efeitos adversos à concorrência. Os terceiros interessados apresentaram recursos ao Tribunal do CADE.

Durante a 207ª Sessão Ordinária de Julgamento (“SOJ”), o Conselheiro Relator Luiz Hoffmann apresentou voto pela aprovação sem restrições. Segundo o Conselheiro, as requerentes não teriam capacidade nem incentivos para fechar o mercado, considerando a baixa participação de mercado e a ausência de rentabilidade da eventual prática. Ademais, diversas características do mercado afastariam preocupações concorrenciais envolvendo o compartilhamento de informações sensíveis entre uma operadora de plano de saúde (OPS), hospitais e administradora de planos de saúde, em especial: “(i) a padronização das rubricas e informações que devem ser trocadas entre OPS e estabelecimentos médico-hospitalares e os esforços de reduzir a assimetria de informação, em observância ao Padrão TISS, da ANS; (ii) haver parâmetros amplamente disponíveis a todos players do mercado que norteiam a precificação de componentes importantes do mercado (e.g., Brasíndice; SIMPRO); (iii) as dificuldades práticas de replicação de condições comerciais para outros agentes econômicos; (iv) o fato de haver diversos agentes verticalizados no setor que já possuem informações de diferentes OPS e hospitais, mitigando o potencial do uso pelas Requerentes das informações adicionais obtidas como instrumento para obtenção de vantagem anticompetitiva para prejudicar rivais; (v) os desenvolvimentos nas modalidades de contratação entre OPS e prestadores de serviços médico-hospitalares, com aumento de modalidades menos sujeitas à troca de informações sensíveis; e (vi) o risco de se prejudicar ou inviabilizar eficiências resultantes das integrações verticais ora examinadas”[13].

Os demais Conselheiros seguiram o voto do Relator, à exceção da Conselheira Lenisa Prado, que votou pela aprovação da operação condicionada à submissão a regras da Agência Nacional de Saúde que exigiriam a exclusão da administradora de plano de saúde do grupo econômico formado pela Rede D’Or e Sul América.

 

Tribunal aprova joint-venture entre empresas do setor automobilístico com restrições

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, aprovar com restrições operação envolvendo a formação de uma joint-venture (“JV”), com sede na Alemanha, entre empresas do setor automobilístico destinada a viabilizar a cooperação para o desenvolvimento de soluções digitais, compartilhamento de informações da cadeia produtiva do setor e a disponibilização de um marketplace para oferta de aplicativos[14].

A operação foi notificada junho de 2022. Segundo as requerentes, a operação seria pró-competitiva, dada a estruturação de uma rede colaborativa, não-discriminatória e de livre acesso que melhoraria a tomada de decisões e incrementaria a oferta de serviços no setor automobilístico. A infraestrutura de dados e aplicativos proposta pelas requerentes seria baseada em padrões e princípios desenvolvidos por organizações sem fins lucrativos, a Gaia-X Association e a Catena-X. em julho, a SG aprovou a operação sem restrições, tendo concluído que a operação não resultaria em sobreposições horizontais nem integrações verticais, já que as requerentes não possuiriam atividades de gerenciamento de dados e continuariam atuando de forma independente após a operação. Contudo, a operação foi avocada nos termos de Despacho do Conselheiro Gustavo Augusto de Lima, que existiriam riscos de compartilhamento de informações sensíveis, dada a ausência de mecanismos de segurança e de monitoramento que permitissem às autoridades antitruste fiscalizarem o compartilhamento de informações. Ademais, o Conselheiro entendeu necessário aprofundar a análise sobre potencial fechamento de mercado no Brasil.

Durante a 207ª SOJ, o Conselheiro Relator Gustavo Augusto de Lima apresentou voto pela aprovação da operação com restrições. Segundo o Conselheiro, a operação envolveria alta probabilidade de exercício de poder de mercado, pois as participações combinadas das requerentes seriam elevadas no mercado nacional de fabricação de automóveis em geral e de caminhões e ônibus. Além disso, a operação poderia ensejar sobreposições horizontais, relações verticais e transversais na cadeia automotiva, dado que a JV também abarcaria empresas de outros segmentos e permitiria que novas empresas ingressassem no futuro. Segundo o Conselheiro, como decorrência da probabilidade do exercício de poder de mercado, as requerentes poderiam impor padrões técnicos de interoperabilidade aplicáveis aos consumidores e aos rivais. Ainda, “a simples adequação abstrata às medidas de compliance concorrencial, bem como as salvaguardas contratuais existentes no contrato da Joint Venture, não seriam suficientes, por si só, para afastar os riscos competitivos em tela, em especial a troca de informações concorrencialmente sensíveis. Agrava essas preocupações o fato que o objetivo central da joint-venture parece ser, precisamente, a troca de informações entre competidores”[15].

Tendo em vista essas preocupações, as requerentes negociaram Acordo em Controle de Concentração (ACC) com o Conselheiro Relator. Contudo, segundo o Relator, o ACC apresentado pelas requerentes teria deixado “de apresentar pontos importantes para o enforcement da operação, deixando de observar parte das orientações feitas por este Gabinete, no curso das negociações”[16]. A ausência de medidas para garantir o enforcement dos compromissos, portanto, colocariam em questão a efetividade do ACC. Portanto, o Conselheiro Relator votou pela não homologação do ACC, com a imposição de restrições unilaterais previstas em Termo de Adesão, compreendendo, em síntese:

  1. monitoramento e armazenamento das informações trocadas entre os usuários dos Sistemas de TI da JV, com obrigação das Compromissárias de cooperarem e prestarem informações ao CADE;
  2. nomeação de um Chief Compliance Officer responsável por expedir normas de salvaguardas, bem como por receber e apurar denúncias de violação das normas antitruste;
  3. desenvolvimento e adoção de um software de rastreamento, desenhado para identificar possíveis violações às normas de defesa da concorrência no âmbito das trocas de informações por meio dos Sistemas de TI da JV;
  4. adoção de um sistema de Compliance by Design, por meio do qual os Sistemas de TI da JV devem ser concebidos e desenhados para integrar o cumprimento da legislação de defesa da concorrência às tarefas e aos processos de troca de informações;
  5. indicação e contratação de uma auditoria independente (“Trustee”) responsável por monitorar as obrigações e a implementação das soluções indicadas.

Os demais Conselheiros acompanharam o voto do Relator. Posteriormente, as requerentes informaram ao CADE a desistência da operação.


NOTAS
[1] Recurso Especial nº. 2013053 – DF, interposto em face do Acórdão exarado nos autos da Apelação Cível nº 0738533-22.2017.8.07.0001.
[2] Procedimento Administrativo para Apuração de Ato de Concentração nº 08700.002166/2022-07.
[3] Ato de Concentração nº 08700.005088/2022-94, pendente de aprovação pelo CADE.
[4] Ato de Concentração nº 08700.009646/2022-91.
[5] Ato de Concentração nº 08700.009774/2022-34.
[6] Inquérito Administrativo nº 08700.009531/2022-04.
[7] Inquérito Administrativo nº 08700.001519/2019-48.
[8] Procedimento Preparatório nº 08700.002958/2022-73.
[9] Processo Administrativo nº 08700.004095/2020-15, em que ao representadas as empresas B2T – Business to Technology Consultoria e Análise de Sistemas Ltda., DBC Company – DBcon Informática Ltda., Deliver IT Serviços em Tecnologia Ltda., DW Brasil Consultoria Ltda, Intelit Processos Inteligentes Ltda., K2 Serviço de Informática e Tecnologia Ltda., Logiks Consultoria e Serviços em Tecnologia da Informação ltda., Maxtera Tecnologia, Sistemas e Comércio Ltda., MicroStrategy Brasil Ltda., Positive Seven Tecnologia da Informação Eireli, PTV Tecnologia da Informação EIRELI, Qubo Tecnologia e Sistemas Ltda., Systech Sistemas e Tecnologia em Informática, Sysvision International Consultoria e Desenvolvimento de Sistema de Informática Ltda., Tech Solutions Soluções em Gestão e Tecnologia, Telemikro Telecomunicações Informática e Microeletrônica, Trend Consultoria Comercial Ltda., VIP Treinamento e Desenvolvimento Ltda., além de pessoas físicas.
[10] Inquérito Administrativo nº 08700.002069/2019-19.
[11] Inquérito Administrativo nº 08700.003349/2020-70.
[12] Ato de Concentração nº 08700.003959/2022-35.
[13] Voto do Conselheiro Relator Luiz Hoffmann.
[14] Ato de Concentração nº 08700.004293/2022-32, envolvendo as empresas BASF; BMW; Henkel; Mercedes-Benz; Bosch; SAP; Schaeffler; Siemens; T-Systems; Volkswagen; e ZF.
[15] Voto do Conselheiro Relator Gustavo Augusto de Lima.
[16] Idem.