209ª e 210ª Sessões Ordinárias do Tribunal do CADE, realizadas em 08 e 22 de março de 2023.
Pautas, atas e áudio da sessão disponíveis em https://www.gov.br/cade/pt-br
Destaques do Poder Judiciário
CADE nega acesso a documentos confidenciais obtidos por meio de Acordo de Leniência e Termos de Compromisso de Cessação
O CADE decidiu negar pedido de acesso a documentos obtidos por meio de Acordo de Leniência apresentado pela Companhia de Gás de São Paulo (Comgás), que pretendia utilizá-los em ação para reparação de danos causados por cartel no mercado de tubos e conexões de polietileno de alta densidade[1].
Em abril de 2022, o Tribunal do CADE condenou empresas do setor de tubos e conexões de polietileno de alta densidade por formação de cartel em licitações públicas e privadas para obras de infraestrutura e gás[2]. A investigação teve origem a partir de informações obtidas por meio de Acordo de Leniência, e outras empresas investigadas firmaram Termos de Cessação de Conduta (TCCs) com o CADE durante a instrução. Os documentos que demonstrariam a ocorrência do cartel, portanto, são majoritariamente confidenciais, tendo sido obtidos por meio de acordos com o CADE. Assim, a Comgás apresentou solicitação de acesso a possíveis informações contendo referências à empresa ou que fornecessem subsídios sobre os danos sofridos em decorrência da conduta anticompetitiva com base na Resolução n° 21/2018 e na Portaria nº 869/2019, que regulamenta os procedimentos de acesso a documentos e informações de acesso restrito em investigações de conduta com o fim de fomentar Ações Civis de Reparação por Danos Concorrenciais (ACRDC).
A Presidência do CADE, contudo, decidiu negar o pedido formulado pela Comgás. Conforme Despacho da Presidência, a Resolução n° 21/2018 prevê que documentos e informações obtidos pelo CADE por meio de Acordos de Leniência e TCCs (exceto materiais como Histórico da Conduta e seus aditivos, além de documentos e informações sigilosas como segredos industriais) serão tornados públicos após a decisão final do CADE, mas a Portaria nº 869/2019 estabelece que a publicização de documentos deverá constar do dispositivo do voto do Relator do caso, que deverá conter “indicação de quais documentos e informações deverão ser transferidos do Apartado de Acesso Restrito para o processo principal, classificado com nível de acesso público”. No caso do cartel de tubos e conexões de polietileno de alta densidade, contudo, o voto da Conselheira Relatora Lenisa Prado não indicou documentos que deveriam ser tornados públicos. Além disso, o Despacho apontou que apenas um trecho do voto condutor faria referência à Comgás.
Assim, segundo o Despacho da Presidência, o pedido da Comgás deveria ser indeferido, destacando-se a “importância do equilíbrio entre o enforcement privado e o enforcement público” e que “há situações que demandam confidencialidade para que ganhos sociais maiores não sejam prejudicados por ganhos menores de curto prazo (…) Em outras palavras, o enforcement privado, embora muito importante não apenas do ponto de vista da vítima, mas também de um ponto de vista da sociedade, não deve prejudicar a política de combate a cartéis em decorrência da perda de credibilidade dos programas de acordo do CADE”[3].
Destaques da Superintendência-Geral do CADE
SG desconsidera receita de empresa recentemente vendida para cálculo de faturamento de grupo econômico e não conhece operação
A Superintendência-Geral do CADE (SG) decidiu não conhecer operação[4] envolvendo a aquisição, pelo Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura Origem (FIP Origem), da integralidade do capital social da Rincão Energia S.A. (Rincão), entendendo que os grupos econômicos das partes não preencheriam o critério de faturamento para que a operação fosse de notificação obrigatória ao CADE.
O FIP Origem é um fundo de investimento voltado a projetos de infraestrutura, enquanto a Rincão é uma sociedade que produz energia elétrica. As Requerentes notificaram a operação ad cautelam sob o rito sumário, requerendo que, caso a SG decidisse por seu conhecimento, a operação fosse aprovada sem restrições, dado que resultaria em efeitos limitados no mercado de geração de energia elétrica, onde tanto o FIP Origem quanto a Rincão possuiriam participações diminutas.
A SG, contudo, decidiu não conhecer a operação, dado que o faturamento das Requerentes não preencheria os requisitos para que sua notificação fosse obrigatória. Isso porque a Rincão somente atingiria o critério mínimo de faturamento (R$ 75 milhões) caso se considerasse o faturamento da empresa Eólica Faísa S.A., cuja venda a outro player já havia sido aprovada pelo CADE em novembro de 2022, estando a implementação da operação pendente de algumas condições. Segundo a SG, “não se deve considerar como parte dos grupos envolvidos empresa recentemente vendida e cuja implementação está pendente de condição suspensiva”. Nesse sentido, dado que “a saída de Faísa S.A. do capital social da Rincão S.A. já foi autorizada pelo Cade”, “esta SG conclui que a Eólica Faísa, no momento da presente operação, já não faz mais parte do capital social da Rincão, não havendo razões para se computar o faturamento desta ao da Faísa, em consonância com os entendimentos anteriores do CADE”[5].
SG arquiva investigação de suposto abuso de posição dominante no setor farmacêutico
A SG arquivou investigação de suposto abuso de posição dominante no setor farmacêutico envolvendo a Celgene Brasil Produtos Farmacêuticos Ltda (Celgene), após concluir que não foram identificados indícios de infração à ordem econômica[6].
A investigação teve origem a partir de representação apresentada pela Eurofarma Laboratórios S.A. (Eurofarma) em abril de 2021. Segundo a Eurofarma, a Celgene estaria impondo condições abusivas para o fornecimento de amostras para testes e estudos voltados à produção e disponibilização de genéricos e similares do Revlimid, um medicamento imunomodulador indicado para o tratamento de determinados tipos de câncer. Em especial, a Celgene teria solicitado que a Eurofarma apresentasse grande volume de documentos que comprovassem sua capacidade de cumprir critérios de segurança para o desenvolvimento e produção de genéricos/similares do medicamente, além de ter exigido que a empresa contratasse apólice de seguro de valor excessivamente elevado para a aquisição de amostras.
Ainda, em novembro de 2022, a Eurofarma afirmou que a Celgene teria passado a apresentar ações judiciais sem fundamento jurídico alegando violação de direito patentário em decorrência da oferta, pela Eurofarma, de produto similar ao Revlimid, promovendo ainda campanha de difamação em face da empresa por meio do encaminhamento de notificações a clientes em que destaca medidas liminares indevidamente obtidas perante o Poder Judiciário. Com isso, a Eurofarma solicitou a imposição de medida preventiva para que a Celgene fosse obrigada a deixar de realizar quaisquer ações que tivessem por objetivo ou efeito impedir o desenvolvimento e comercialização de medicamentos concorrentes do Revlimid.
Em fevereiro de 2023, contudo, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, não houve recusa de contratação pela Celgene, já que a empresa agiu de maneira razoável ao demandar documentos da Eurofarma, dada a inexistência, naquele momento, de regulação da ANVISA sobre o procedimento de fornecimento para a realização de estudos de equivalência farmacêutica e bioequivalência do Revlimid. Além disso, condicionar a contratação de amostra de medicamentos à oferta de seguro seria prática comum no setor farmacêutico, sendo que existiriam justificativas legítimas para tanto, relacionadas aos riscos do negócio. Por fim, a SG entendeu que não haveria evidência de que a ação judicial da Celgene contra a Eurofarma contivesse informações enganosas ou não tivessem fundamento jurídico, de modo que “Dado que a referida ação judicial se encontra em andamento, não compete ao Cade decidir quanto a sua procedência ou não”[7]. Com o arquivamento da investigação, a medida preventiva foi igualmente indeferida.
A Eurofarma apresentou, então, Recurso Voluntário à Presidência do CADE, requerendo a concessão da medida preventiva indeferida pela SG, além de Recurso Administrativo endereçado à própria Superintendência-Geral, requerendo que a decisão de arquivamento do caso fosse revertida. A Presidência do CADE, entretanto, conheceu petições endereçadas à Presidência, mas indeferiu seus pedidos por entender que não seria cabível Recurso Voluntário no caso. Segundo a Presidência, “a partir do momento que a Superintendência-Geral decide pelo arquivamento do inquérito devido à ausência dos indícios de infração à ordem econômica (…) percebe-se que não subsistem os requisitos que ensejam a concessão de medida preventiva. Em outras palavras, o arquivamento decidido pela Superintendência-Geral diante da ausência de indícios suficientes acerca da conduta precede os elementos que ensejariam eventual medida preventiva, de forma que, caso se tenha como objetivo realizar questionamentos quanto a decisão da SG, não caberia a interposição de Recurso Voluntário ao Plenário do Tribunal do Cade, mas sim de Recurso endereçado ao Superintendente-Geral”[8]. Por sua vez, o Recurso Administrativo endereçado à SG ainda está pendente.
SG instaura investigação contra concessionária de aeroportos
A SG decidiu instaurar investigação[9] para apurar suposta conduta discriminatória no mercado de movimentação de cargas pela Concessionária dos Aeroportos da Amazônia S/A (Concessionária) e suas respectivas controladoras Vinci Airports Participation SAS e Vinci Airports do Brasil – Participações Ltda. (Vinci).
A investigação foi instaurada a partir de representação com pedido de medida preventiva apresentada pela Aurora da Amazônia Terminais e Serviços Ltda. (Aurora). Segundo a Aurora, a concessão da infraestrutura aeroportuária de Manaus conferiria à Vinci acesso a informações sensíveis de concorrentes no mercado à montante de movimentação de cargas, o que lhe permitiria oferecer melhores condições a clientes à jusante que armazenam cargas no terminal aeroportuário, em detrimento de rivais. Ademais, segundo a Aurora, a Vinci estaria impondo custos arbitrários para reduzir a margem de concorrentes (price squeeze), a fim de restringir a capacidade de que fizessem frente aos preços discriminatórios praticados pela Vinci. Segundo a Aurora, a conduta da Vinci resultaria na elevação dos custos de rivais, com alavancagem artificial da participação da Vinci no mercado de armazenagem alfandegada.
A SG decidiu instaurar Procedimento Preparatório para averiguar se a conduta seria de competência do CADE, expedindo ofício à Agência Nacional de Aviação Civil a fim de obter esclarecimentos adicionais sobre o setor e à Vinci para que apresente manifestação sobre as acusações.
SG arquiva investigação contra a OLX envolvendo suposta venda casada
A SG decidiu arquivar investigação de suposta prática de venda casada pela Bom Negócio Atividades de Internet Ltda. (OLX) no mercado de plataformas para anúncios imobiliários[10], concluindo que não havia indícios de conduta anticompetitiva.
A investigação foi iniciada pela SG após o recebimento de denúncias alegando que a OLX estaria, por meio do programa ZAP+, condicionando a contratação dos serviços de uma de suas plataformas de anúncios imobiliários à contratação simultânea dos serviços das demais plataformas do seu grupo econômico (OLX, Zap e Viva Real). Em resposta à abertura de investigação, a OLX apresentou manifestação alegando, em síntese, que as denúncias seriam improcedentes, já que seria possível anunciar na plataforma OLX sem contratar serviços das demais plataformas do grupo. Além disso, mesmo que ocorresse venda conjunta de anúncios em suas plataformas, não existiria venda casada, já que não haveria condicionamento à contratação de produtos relacionados a mercados distintos, não haveria coerção para que os usuários adquiram os planos de anúncios nas plataformas da OLX, e a empresa não deteria poder de mercado.
Ao final, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, “em que pese o teor da denúncia, o usuário pode contratar anúncios de imóveis apenas na plataforma OLX, sem a contratação simultânea de anúncios no ZAP+, que inclui também as plataformas OLX e Viva Real”. Ademais, mesmo que se considerasse a existência de plano vinculando a contratação de uma plataforma às demais plataformas da OLX (ZAP+), “o serviço a ser analisado nos presentes autos é o anúncio online de imóveis, e não o anúncio online de imóveis na plataforma A, B ou C”. Nesse sentido, “ainda que se aventasse a hipótese, o que se faz apenas a título de argumentação, que a prática narrada poderia envolver dois mercados, quais sejam, um mercado de classificados online de imóveis e um hipotético mercado de plataformas de classificados em geral […] existiria a possibilidade de que os usuários optassem por anunciar apenas na OLX, caso os preços alegadamente mais altos cobrados pelo ZAP+ superassem os benefícios de se anunciar nas três plataformas concomitantemente − o que inviabilizaria o modelo de negócio do ZAP+ −, ou, ainda, de haver desvio de demanda para concorrentes, e, em última instância, redes sociais e buscadores gerais”.
Assim, “considerando-se que a prática denunciada envolve um serviço único, qual seja, anúncios online de imóveis por meio dos planos ZAP+, entende-se não restar configurada a prática de venda casada”[11].
SG arquiva investigação de suposta venda casada no mercado de latas de alumínio
A SG decidiu arquivar investigação[12] que buscava apurar suposta prática de venda casada, pela Crown Embalagens Metálicas Da Amazônia S.A. (Crown), no mercado de fabricação e comercialização de latas de alumínio.
A investigação foi instaurada a partir de denúncia anônima recebida pelo CADE no sistema “Clique-Denúncia”. Segundo a denunciante, o mercado de latas de alumínio seria um oligopólio formado por três empresas, dentre as quais a Crown. Embora a importação de tampas para latas de alumínio seja uma prática comercialmente viável, as três empresas do setor estariam condicionando a aquisição da compra do das latas à aquisição das tampas, restringindo assim a concorrência em um suposto mercado de tampas de latas de alumínio. A Crown, contudo, apresentou manifestação alegando que a denúncia seria falsa. Segundo a Crown, a empresa ofertaria tanto o corpo da lata quanto a tampa individualmente. Não obstante, a aquisição individual dos produtos seria mais cara em decorrência de maiores riscos no fornecimento.
Ao final, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, para que uma prática de venda casada seja viável, é necessário averiguar primeiro se os produtos envolvidos possuem demandas independentes. Contudo, “não parece ser o caso dos produtos corpos de lata de alumínio sem a tampa e tampas de latas de alumínio sem o corpo da lata, que tendem a ser complementares e possuírem demandas vinculadas”, de forma que “há racionalidade econômica em ofertar os dois produtos de forma conjunta, uma vez que há inegáveis economias de escopo e redução de custos de transação”[13]. Ademais, em sede de investigação de mercado, a SG igualmente identificou que existiriam outras empresas no segmento de fabricação e comercialização de latas de alumínio, de forma que eventual tentativa de abuso de poder econômico seria mitigada pela rivalidade do setor, inclusive tendo em vista que a Crown não é líder de mercado.
SG arquiva investigação envolvendo suposta discriminação pela Unimed-Rio no mercado de planos de saúde
A SG decidiu arquivar investigação[14] que buscava apurar suposta discriminação, pela Unimed-Rio Cooperativa de Trabalho Médico do Rio de Janeiro Ltda. (Unimed-Rio), no mercado de planos de saúde médico-hospitalares coletivos por adesão em desfavor da Qualicorp Administradora de Benefícios S.A. (Qualicorp), uma administradora de benefícios de planos de saúde.
A investigação teve origem a partir de representação da Qualicorp. Segundo a empresa, a Unimed-Rio estaria oferecendo preços e condições contratuais mais vantajosas às administradoras de benefício rivais Supermed e Qualivida sem, contudo, ofertá-las à Qualicorp nos casos em que os planos ofertados pelas três empresas seriam idênticos. Nesse sentido, segundo a Qualicorp, a Unimed-Rio estaria se valendo de posição dominante no mercado de planos de saúde por adesão e de seu poder de barganha face à dependência das administradoras de benefícios hospitalares para desviar clientela da Qualicorp a suas rivais.
Solicitada a se manifestar sobre as alegações da Qualicorp, a Unimed-Rio argumentou que não haveria qualquer prática anticompetitiva no caso porque (i) não deteria posição dominante no mercado, (ii) não teria incentivos para discriminar administradoras de benefícios, já que não atua no mercado à jusante; e (iii) as diferenciações comerciais refletiriam previsões regulatórias da Agência Nacional de Saúde (ANS), não configurando um ilícito antitruste.
Ao final, a SG decidiu arquivar a investigação. Para a SG, em primeiro lugar, “embora a participação de mercado da Unimed-Rio de fato ultrapasse o patamar de 20%, estabelecido pelo Cade como um primeiro filtro para que haja possiblidade de exercício de posição dominante, o market share da Representada está abaixo de 30%, patamar a partir do qual a legislação antitruste nacional entende que pode haver possibilidade de danos ao ambiente concorrencial derivados de uma integração vertical”. De outro lado, a Qualicorp deteria participação de mais de 50% no mercado de administração de benefícios. Além disso, a SG concluiu que existia racionalidade para a oferta de condições contratuais distintas pela Unimed-Rio, tendo em vista a análise atuarial dos perfis de risco de diferentes clientes das administradoras de benefícios. Por fim, a Unimed-Rio não teria incentivos para implementar uma conduta de discriminação, já que não obteria qualquer vantagem competitiva como decorrência dessa prática.
Destaques da Sessão de Julgamento
Tribunal arquiva investigação de cartel no mercado de sistemas térmicos automotivos
O Tribunal do CADE decidiu, por maioria, arquivar investigação[15] que buscava apurar suposta formação de cartel e troca de informações sensíveis no mercado de sistemas térmicos automotivos, concluindo que as provas contra empresas que não celebraram acordos com o CADE se limitavam a evidências produzidas unilateralmente por colaboradores que firmaram Acordo de Leniência ou Termo de Compromisso de Cessação com o CADE.
A investigação teve início em 2014 a partir de Acordo de Leniência firmado por empresas do Grupo Valeo[16]. Segundo as lenientes, empresas do setor de sistemas térmicos automotivos teriam formado cartel entre 1999 e 2010 para fixar preços e condições comerciais e trocar informações sensíveis nos mercados nacionais de fabricação de equipamentos originais e de autopeças independentes. Durante o curso da instrução, outras duas empresas firmaram TCCs junto ao CADE[17], de forma que apenas empresas Denso do Brasil Ltda. e Denso Sistemas Térmicos do Brasil Ltda. (Grupo Denso) continuaram a ser investigadas.
Durante a 207ª Sessão Ordinária de Julgamento (SOJ), realizada em dezembro de 2022, o Conselheiro Relator Sérgio Ravagnani apresentou voto pela condenação das empresas do Grupo Denso. Segundo o Relator, “embora formado exclusivamente por provas unilaterais apresentadas pelos colaboradores […] o conjunto probatório analisado dispõe de provas documentais diretas […] e indiretas que comprovam a ocorrência do cartel, confirmando e reforçando as informações que haviam sido prestadas pelos colaboradores sobre a conduta investigada. Ou seja, o conjunto probatório não é composto somente por declarações, mas também de provas documentais que, consideradas conjuntamente, formam minha convicção quanto à materialidade e autoria da conduta investigada”. O Presidente do CADE Alexandre Cordeiro, contudo, pediu vista dos autos.
Durante a 209ª SOJ, o Presidente do CADE apresentou voto-vista pelo arquivamento da investigação em relação às empresas do Grupo Denso. Segundo o Presidente do CADE, “Acordos de Leniência e Termos de Cessação de Conduta firmados com partícipes das infrações investigadas […] necessitam de documentos que os amparem, não sendo, por si só, uma sentença condenatória, sob pena de ensejar condenações sem lastro em um suporte probatório adequado”. Em especial, o Presidente entendeu que “um documento produzido unilateralmente, com relatos de realização de conversas/encontros entre concorrentes por si só, sem nenhuma outra prova que demonstre a realização do contato e o seu teor, não se mostra suficiente para afastar dúvidas e encerrar uma análise em relação a possível participação da Representa Denso no conluio”.
O entendimento do Presidente do CADE foi acompanhado pela maioria do Tribunal. Dessa forma, o Tribunal decidiu arquivar a investigação em relação ao Grupo Denso, vencidos o Conselheiro-Relator e o Conselheiro Luis Braido.
Tribunal condena empresas por cartel em licitações de escolas no Ceará
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, condenar empresas de serviços de engenharia por formação de cartel em licitações públicas destinadas à contratação de obras em escolas da rede municipal de ensino na cidade de Juazeiro do Norte, no Ceará[18].
A investigação teve origem a partir de ofício encaminhado pela 16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará informando a prolação de sentenças condenatórias em processo criminal e de ação civil pública por improbidade administrativa decorrente da elevação artificial de preços e divisão de mercados em licitações realizadas no ano de 2009 na rede municipal de ensino da cidade de Juazeiro do Norte/CE. Conforme a Justiça Federal, foram identificadas irregularidades em documentos apresentados nas licitações, consistentes em formatações e erros idênticos, valores de propostas iguais e existência de relações de parentesco entre sócios das empresas. Tais irregularidades permitiriam constatar uma prática concertada pelas investigadas.
Durante a 209ª SOJ, o Conselheiro Relator Gustavo Augusto de Lima apresentou voto pela condenação das representadas, com exceção de duas pessoas físicas. Segundo o Relator, “o conjunto probatório constante dos autos, embora formado majoritariamente por provas indiretas, tem o condão de formar uma robusta convicção quanto à ocorrência de cartel. São provas aptas a gerar tal convencimento a presença de propostas com preços e elementos quantitativos similares e padronizados, revelando a combinação de preços entre concorrentes; a presença de documentos com os mesmos erros de grafia e mesma formatação, demonstrando o prévio contato entre os concorrentes; e a existência de provas testemunhais e de outros indícios que confirmam a existência da conduta, notadamente quando os representados deixam de apresentar explicação alternativa dotada de um mínimo de plausibilidade”.
O voto do Conselheiro Relator foi acompanhado pelos demais membros do Tribunal. Dessa forma, o Tribunal condenou as representadas ao pagamento de multas que somam mais de R$ 1 milhão, bem como as proibiu de participarem de licitações públicas em âmbito federal, estadual, municipal e do Distrito Federal pelo prazo de 5 anos, além de recomendar o afastamento de servidora pública municipal que teria envolvimento nas infrações de funções que envolvam qualquer fase, interna ou externa, de qualquer licitação, supervisão ou gerenciamento de contratos administrativos ou de recursos públicos qualquer atividade de gerenciamento, aplicação ou prestação de contas relativos a recursos oriundos do Fundo Municipal da Educação ou de outros fundos públicos ou privados, pelo prazo de 5 anos.
Tribunal aprova aquisição de ativos da União Vopak pela Cattalini, mas determina comunicação de futuras operações
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, aprovar sem restrições operação envolvendo a aquisição, pela Cattalini Terminais Marítimos S/A (Cattalini), de um conjunto de ativos da União Vopak Armazéns Gerais Ltda. (União Vopak), mas determinou a comunicação futura de determinadas aquisições de imóveis[19].
A Cattalini e a União Vopak prestam serviços de movimentação e armazenagem de granéis líquidos no Porto de Paranaguá, no Paraná. A operação consiste na aquisição, pela Cattalini, de um conjunto de imóveis da União Vopak contendo um terminal de armazenamento de granéis líquidos, um estacionamento e 18 lotes de terra. As Requerentes notificaram a operação sob o rito sumário alegando que a concentração no segmento de movimentação e armazenagem de granéis líquidos em um cenário geográfico abrangendo os Portos de Paranaguá e Santos seria ligeiramente superior a 20%.
A SG, contudo, converteu o Ato de Concentração para o rito ordinário, dado que a concentração em um cenário geográfico limitado ao Porto de Paranaguá seria superior a 50%. Após a publicação do edital tornando pública a operação, as empresas Companhia Brasileira de Logística S/A (CBL) e CPA Terminal Paranaguá S.A. (Terin) apresentaram pedidos de intervenção como terceiras interessadas. Segundo as empresas, a concentração decorrente da operação agravaria a já elevada assimetria no mercado, tendo em vista a delimitação geográfica do mercado ao Porto de Paranaguá, a ausência de rivalidade pelo terminal cativo da Transpetro, bem como a necessidade de se considerar a capacidade total do ativo adquirido (Terminal II) no cálculo de variação de HHI. Tal crescimento inorgânico propiciaria à Cattalini, que já detém Píer Privado exclusivo, exercer poder de mercado na forma de elevação artificial de preços e/ou condutas exclusionárias, em prejuízo de rivais. Ademais, a definição do mercado relevante na dimensão produto deveria ser restrita a tipos específicos de granéis líquidos, dado que cada tipo de produto demandaria estruturas particulares para a movimentação e armazenagem, de forma que a operação seria ainda mais preocupante. Em outubro de 2022, a Operação foi declarada complexa, tendo em vista os elevados níveis de concentração detidos pela Cattalini no referido mercado, com evidências de baixa rivalidade efetiva e significativas barreiras à entrada nesse segmento.
Em dezembro de 2022, a SG expediu parecer de aprovação da operação sem restrições. Segundo a SG, embora existam restrições para armazenamento de determinados tipos de granéis líquidos, operadores portuários seriam capazes de armazenar os diferentes tipos de produto sem maiores dificuldades, de forma que eventual segmentação do mercado relevante seria desnecessária. Ademais, no que se refere às condições de entrada e rivalidade no setor, a SG apontou que existiriam entradas recentes e expressivas, notadamente das próprias terceiras interessadas, cujo teste de mercado teria apontado para uma efetiva rivalidade em decorrência das expansões projetadas de CBL e Terin e de projeções de aumento de capacidade no Porto de Paranaguá. CBL e Terin recorreram da decisão.
Às vésperas do julgamento pelo Tribunal do CADE, a Cattalini apresentou compromisso unilateral de comunicar aquisições futuras da empresa ou de pessoas físicas com participação societária em seu grupo econômico de imóveis no Porto de Paranaguá cuja área agregada fosse igual ou superior a 3.500 m². Durante a 210ª SOJ, o Conselheiro Relator Victor Fernandes apresentou voto pela aprovação da operação sem restrições, condicionada ao compromisso unilateral assumido pela Cattalini, mas cumulada com previsão de multa por retardamento injustificado das informações a fim de garantir a eficácia da decisão. Segundo o Relator, a definição de mercado relevante não seria um fim em si mesmo, mas um instrumento para avaliação do poder de mercado, de modo que o Conselheiro optou por realizar uma avaliação de diferentes cenários. Nesse sentido, a segmentação do mercado relevante na dimensão produto alegada pelas terceiras interessadas poderia, de fato, indicar potenciais efeitos negativos decorrentes da operação, dada a limitada substitutibilidade pelo lado da oferta. Não obstante, o Conselheiro Relator entendeu que, embora as barreiras à entrada no setor fossem altas, as barreiras à expansão para determinados tipos de granéis líquidos seriam relativamente baixas, por exemplo, a migração de combustíveis para óleos vegetais não aquecidos. Ainda, as projeções de expansão de capacidade de armazenamento observadas pela SG no Porto de Paranaguá seriam não desprezíveis. Portanto, segundo o Relator, existiria pressão competitiva potencial capaz de disciplinar eventual tentativa de exercício abusivo de poder de mercado no cenário pós-operação, de forma que o compromisso unilateral apresentado pela Cattalini consistente na comunicação de aquisições futuras seria suficiente para mitigar os riscos da operação. Os demais Conselheiros seguiram o entendimento do Relator.
[1] Solicitação de Acesso a Documentos e Informações para ACRDC nº 08700.007823/2022-02.
[2] Processo Administrativo n° 08700.003396/2016-37.
[3] Despacho Presidência nº 2/2023.
[4] Ato de Concentração nº 08700.000884/2023-11.
[5] Parecer nº 71/2023/CGAA5/SGA1/SG.
[6] Inquérito Administrativo nº 08700.001893/2021-68.
[7] Nota Técnica nº 10/2023/CGAA1/SGA1/SG/CADE.
[8] Despacho Decisório nº 60/2023/GAB-PRES/PRES/CADE.
[9] Procedimento Preparatório de Inquérito Administrativo nº 08700.001445/2023-26.
[10] Procedimento Preparatório nº 08700.002958/2022-73.
[11] Nota Técnica nº 20/2023/CGAA11/SGA1/SG/CADE.
[12] Procedimento Preparatório nº 08700.008984/2022-13.
[13] Nota Técnica nº 11/2023/CGAA11/SGA1/SG/CADE.
[14] Procedimento Preparatório nº 08700.005111/2022-41.
[15] Processo Administrativo nº 08700.010323/2012-78.
[16] Valeo S.A., Valeo Sistemas Automotivos Ltda., Valeo Sistemas Automotivos Ltda. – Divisão Climatização, Valeo Sistemas Automotivos Ltda. – Divisão Sistemas Modulares, Valeo Sistemas Automotivos Ltda. – Divisão Térmicos Motor, Valeo Sistemas Automotivos Ltda. – Divisão Valeo Service, além de funcionários e ex-funcionários das empresas.
[17] Mahle Behr Gerenciamento Térmico Brasil Ltda. e Modine do Brasil Sistemas Térmicos Ltda., além de funcionários e ex-funcionários.
[18] Processo Administrativo nº 08700.000269/2018-48. As empresas condenadas são Brito Construções Ltda., CAENGE – Cariri Engenharia Ltda., Construtora ASP Ltda., Construtora e Empreendimentos São Bento Ltda. e Construtora J. Filho Ltda.
[19] Ato de Concentração n° 08700.001197/2022-32.