217ª e 218ª Sessões Ordinárias do Tribunal do CADE, realizadas em 02 e 16 de agosto de 2023.
Pautas, atas e áudio da sessão disponíveis em https://www.gov.br/cade/pt-br
Destaques do CADE
CADE lança versão preliminar de Guia para Análise de Atos de Concentração Não Horizontais
A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) publicou versão preliminar do Guia para Análise de Atos de Concentração Não Horizontais (Guia V+), documento que busca consolidar o padrão de análise do CADE em operações que envolvem empresas que não são concorrentes em um mesmo mercado, mas possuem atividades relacionadas de alguma maneira (como empresas que atuam em elos distintos da mesma cadeia de produção). Após a consolidação do documento com sugestões recebidas no âmbito de Consulta Pública, o Guia V+ será encaminhado ao Tribunal do CADE para deliberação e decisão final, servindo de orientação futura aos agentes públicos e privados.
O Guia V+ é resultado de grupo de trabalho do CADE, com participação da sociedade civil. Alguns dos principais temas abordados pelo Guia V+ do CADE incluem:
- Teorias de dano: além de teorias tradicionais como fechamento de mercado e elevação dos custos de rivais, acesso a informação sensível e potencial coordenação entre concorrentes, o Guia V+ indica como danos potenciais decorrentes de operações não horizontais o aumento de capacidade ou incentivo para práticas como (i) evasão regulatória, (ii) descumprimento de acordos privados de longo prazo, e (iii) “riscos concorrenciais potenciais ou dinâmicos”, tais como deixar de lançar produtos concorrentes ou visar a eliminação de um concorrente disruptivo e inovador.
- Operações conglomerais: para a análise de operações com efeitos conglomerais, que envolvem empresas relacionadas de alguma maneira, mas que não concorrentes nem verticalmente relacionadas, o Guia V+ propõe dar maior atenção a práticas comerciais “sutis” que poderiam levar à exclusão de rivais, como: (i) venda casada técnica, em que produtos distintos apenas funcionam, ou funcionam de forma mais adequada, quando adquiridos conjuntamente; (ii) vinculação contratual, em que clientes são obrigados a comprar dois produtos distintos; e (iii) negociações de reciprocidade, em que compradores se dispõem a comprar produtos de vendedores sob a condição de que tais vendedores também comprem seus produtos.
- Mercados digitais: o Guia V+ apresenta algumas disposições destinadas especificamente à análise de operações em mercados digitais, como: (i) reconhecimento de que a definição de mercados relevantes envolvendo plataformas digitais pode demandar análise de particularidades do caso concreto; (ii) reconhecimento de que práticas como limitação de acesso a dados ou de integração de ecossistemas digitais, bem como deterioração de interoperabilidade, retardamento de atualizações ou desativação de APIs podem indicar capacidade de fechamento de mercado; e (iii) indicação de restrições à interoperabilidade ou multi-homing (i.e., utilização simultânea de mais de uma plataforma) e “fechamento de ecossistemas digitais, impedindo a participação de terceiros nesses ecossistemas, ou impondo condições de acesso discriminatórias” como alguns efeitos anticompetitivos decorrentes de operações não horizontais.
DEE publica estudo atualizado sobre mercados de plataformas digitais
O Departamento de Estudos Econômicos do CADE (DEE) publicou edição atualizada de estudo intitulado “Mercados de Plataformas Digitais”, originalmente publicado em 2021. O estudo apresenta um panorama geral dos mercados de plataformas digitais, particularidades de diferentes segmentos de mercado, bem como a jurisprudência do CADE em atos de concentração e investigações de conduta em novos mercados analisados pela autarquia. O estudo está disponível no website do CADE.
DEE publica estudo sobre fusões conglomerais
O DEE publicou estudo intitulado “Fusões Conglomerais: Teorias do dano e jurisprudência do CADE entre 2012 e 2022”. Trata-se de estudo estruturado em três partes. Na primeira, são sistematizadas teorias do dano em fusões conglomerais. Na segunda, apresenta-se discussão teórica sobre novas teorias advindas dos mercados digitais. Ao final, o documento avalia criticamente a jurisprudência do CADE referente ao tema no período de 2012 a 2022. O estudo está disponível no website do CADE.
Destaques do Judiciário
TRT-15 determina que CADE considere efeitos de atos de concentração sobre relações de trabalho
A 6ª Câmara da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento a recurso[1] interposto pelo Ministério Público do Trabalho de Araraquara (MPT) para determinar que o CADE fundamente suas decisões em análises de atos de concentração considerando as possíveis repercussões das operações analisadas sobre relações de trabalho.
Segundo o MPT, o CADE estaria deixando de analisar os eventuais impactos de atos de concentração às relações de trabalho. Nesse sentido, o MPT apresentou Ação Civil Pública para determinar, dentre outras obrigações, que em atos de concentração envolvendo possível redução de custos com mão de obra o CADE: (i) proíba a dispensas em massa sem prévia negociação com sindicatos de trabalhadores; (ii) encaminhe ofícios a sindicatos de categorias de trabalhadores potencialmente afetados; e (iii) fundamente suas decisões considerando impactos às relações de trabalho.
Em 1ª instância, a Juíza Ana Flávia de Moraes Garcia Cuesta, da 3ª Vara da Justiça do Trabalho de Campinas, decidiu extinguir, sem resolução de mérito, a ação do MPT. Segundo a Juíza “Até a vigência da Lei 13467/17 a dispensa coletiva não era regulamentada mas o C.TST havia firmado entendimento de que deveria ser submetida à negociação com os sindicatos da categoria com a finalidade de diminuir os seus impactos. Todavia, desde a vigência da Lei acima citada, o artigo 477-A da CLT dispõe não haver diferença entre dispensa individual, plúrima ou coletiva, sendo desnecessária qualquer autorização do sindicato ou celebração de acordo ou convenção coletiva para sua efetivação”. O MPT recorreu da decisão.
No TRT-15, embora a Desembargadora Relatora Maria da Graça Bonança Barbosa tenha entendido que “não incumbe ao CADE emitir ordem de proibição às empresas de realizar dispensa em massa, pois realmente não detém essa atribuição legal”, afirmou que “considerando que o procedimento de notificação e participação de Sindicatos e Centrais Sindicais de trabalhadores já foi adotado pelo CADE em alguns dos procedimentos instaurados, deve ser reconhecido que tal participação em nada prejudica a avaliação a ser feita pelo requerido. E, nessa linha, não se pode admitir que a participação dos Sindicatos seja considerada apenas nos casos de maior repercussão na sociedade, pois haveria inegável prejuízo para os trabalhadores de empresas cuja fusão não tivesse tal impacto, ou mesmo, que não fosse amplamente divulgada pelos canais de comunicação”. Ademais, a Desembargadora apontou que há previsão legal para que o CADE se oriente também pelo princípio da função social da propriedade, julgando procedente o pedido do MPT para obrigar o CADE a “fundamentar suas decisões com a devida consideração às repercussões, para o ato de concentração sob análise, da função social da propriedade, da livre iniciativa e do valor social do trabalho, nos termos da Constituição Federal”.
Destaques da Superintendência-Geral do CADE
SG arquiva investigação nos mercados financeiro e de instrumentos de pagamentos
A SG decidiu arquivar investigação[2]que buscava apurar supostas práticas anticompetitivas decorrentes da verticalização nos mercados financeiro e de instrumentos de pagamentos.
Em dezembro de 2018, Despacho da Presidência do CADE[3] foi homologado durante a 135ª Sessão Ordinária de Julgamento (SOJ) determinando a instauração de investigação com base em uma recomendação da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal proposta em relatório intitulado “Inovação e Competição: novos caminhos para redução dos spreads bancários (custos e margens da intermediação financeira)”. Segundo o relatório, a despeito de diversos Termos de Compromisso de Cessação (TCCs) firmados pelo CADE em investigações relacionadas ao setor financeiro, a recorrência de condutas anticompetitivas por grupos financeiros verticalizados ao segmento de sistemas de meios de pagamentos eletrônicos indicaria que os TCCs teriam sido insuficientes para estimular a concorrência no setor. Nesse sentido, segundo o relatório, “proibir a verticalização poderia ser uma medida mais efetiva que o padrão atual de punições através de multas”.
A SG instaurou, então, Inquérito Administrativo para analisar eventuais práticas anticompetitivas nos mercados financeiro e de instrumentos de pagamentos. Ao longo da investigação, também foram juntadas aos autos representações e denúncias contra empresas que atuam nesses mercados. Contudo, após teste de mercado envolvendo bancos, credenciadoras, fintechs e associações do setor de meios de pagamentos, a SG concluiu que “a maioria das instituições, inclusive as fintechs oficiadas, não considerava a verticalização como um problema per se”. Em especial, segundo a SG, o setor passou por uma “atualização dos normativos referentes (…) a implementação de novos normativos favoráveis à maior abertura do mercado à atuação das fintechs”, observando, inclusive, que “mais recentemente, algumas fintechs têm apresentado crescimento significativo relativamente a agentes tradicionais do mercado”.
Nesse sentido, para a SG, “considerando a evolução do mercado e o aumento da relevância das fintechs em alguns segmentos, é possível concluir que, além da atuação do BCB, o Cade, por meio de sua atuação preventiva e repressiva em casos envolvendo grandes instituições financeiras, também teve papel importante na maior abertura dos mercados de meios de pagamentos, contribuindo para ampliar a participação de diversos agentes, incluindo empresas não verticalizadas, no sistema de meio de pagamentos”[4]. Além disso, a SG também analisou denúncias e representações relativas a possíveis práticas de venda casada, obrigação de exclusividade via contratos de incentivo e discriminação de concorrentes, mas descartou possíveis efeitos negativos, seja por insubsistência de informações, seja pela reduzida participação de mercado dos agentes denunciados. Dessa forma, a SG decidiu arquivar a investigação.
SG arquiva investigação de suposta discriminação de preços pela XP
A SG decidiu arquivar investigação[5] que buscava apurar suposto abuso de posição dominante, pela XP Investimentos CCTVM S.A. (XP), consistente na discriminação dos preços dos serviços de registro de gravames para oferta de garantia em operações de crédito.
A investigação foi instaurada a partir de denúncia no canal “Clique-Denúncia” apresentada pela Nobli Tecnologia e Serviços Financeiros Ltda. (Nobli), uma fintech que permite que investidores utilizem seus próprios ativos financeiros (tais como ações e CDBs) como garantia em operações de crédito com o objetivo de reduzir taxas de juros. O titular de ativos financeiros que deseja oferecê-los como garantia em operações de crédito precisa solicitar à corretora de investimentos, responsável pela custódia dos ativos, que realize um serviço de registro para informar que o ativo foi dado em garantia em benefício da instituição credora (denominado gravame). Segundo a Nobli, a XP estaria favorecendo operações de crédito em que o Banco XP S.A. era a instituição credora, dado que não exigiria a cobrança pela prestação do serviço de gravame, em detrimento de instituições rivais, como a Nobli, de quem cobraria uma taxa de R$ 5.000,00 por gravame. Segundo a Nobli, ao discriminar o preço do serviço de gravame, a XP estaria aumentando os custos para que rivais operassem no setor de operações de crédito.
A SG instaurou investigação, solicitando manifestação da XP. Após a manifestação da XP, contudo, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo constatado, não haveria isenção de cobrança pela prestação de serviços caso o beneficiário do gravame integre o Grupo XP, sendo que a mera cobrança do serviço não configuraria conduta anticompetitiva, “na medida em que a realização de tais serviços gera custos, dado que demanda esforço operacional e controles internos por parte do custodiante, e não havendo qualquer espécie de vedação nesse sentido, mostra-se natural que haja a cobrança de um preço para prestação de tais serviços”. Ademais, os preços praticados pela XP estariam em linha com os valores praticados no mercado. Nesse sentido, segundo a SG “a insatisfação da Nobli diz respeito ao preço cobrado pela XP para a prestação do serviço, os quais geraram conturbações na relação da Nobli com seus clientes que possuem investimentos sob custódia da XP, apresentam contornos de lide privada”[6]. Dessa forma, a SG decidiu arquivar a investigação por inexistência de indícios de infração à ordem econômica.
SG arquiva investigação de gun jumping envolvendo a Gol
A SG decidiu arquivar investigação[7] que buscava apurar se operações de compartilhamento de voos entre Gol Linhas Aéreas Ltda. (Gol), TwoFlex Taxi Aéreo Ltda. (TwoFlex) e Passaredo Linhas Aéreas Ltda. (atual VoePass Linhas Aéreas S.A – “VoePass) deveriam ser notificadas ao CADE.
A investigação foi instaurada de ofício pela SG em janeiro de 2020 em decorrência de denúncia da Azul Linhas Aéreas Brasileiras S.A. (Azul)[8], segundo a qual a Gol estaria abusando de sua posição dominante ao celebrar acordos de compartilhamento de voos para explorar slots no aeroporto de Congonhas originalmente alocados à TwoFlex e à VoePass devido à falência da rival Avianca Brasil. Considerando que a análise concorrencial dos acordos de compartilhamento de voos já seria objeto de avaliação em investigação instaurada em paralelo, a SG instaurou investigação separada para avaliar se tais operações se enquadrariam como contrato associativo de notificação obrigatória ao CADE, dado que poderiam ter sido consumadas sem a aprovação prévia da autarquia (gun jumping).
Segundo apurado pela SG, contudo, haveria entendimento consolidado sobre o não enquadramento dos contratos de compartilhamento de voos como contratos associativos de notificação obrigatória. Em especial, tais contratos não envolveriam empreendimento comum ou compartilhamento de riscos e resultados, dado que não incluem o planejamento conjunto de práticas comerciais como definição de rotas, preços de passagens ou estratégias de marketing, sendo que cada empresa continua a ser remunerada pelo valor do bilhete vendido, incentivando que maximizem o tráfego nos voos em que operam. Ademais, a Gol não seria concorrente da TwoFlex ou da VoePass nos mercados afetados pelos acordos e, na maioria dos contratos analisados, a vigência seria inferior a 2 anos. Dessa forma, a SG decidiu arquivar a investigação.
SG impõe Medida Preventiva no mercado de apostas lotéricas
A SG decidiu instaurar investigação[9] para apurar suposto abuso de posição dominante pela Caixa Econômica Federal (Caixa) e pela Federação Brasileira das Empresas Lotéricas (Febralot), consistente na criação de impedimentos para que unidades lotéricas mantenham relação comercial com plataformas de intermediação de jogos lotéricos. A investigação teve origem a partir de representação feita pela Associação dos Intermediadores Digitais de Jogos Lotéricos e resultou na imposição de Medida Preventiva pela SG.
Segundo concluído pela SG, há questão não pacificada sobre a licitude das plataformas de intermediação de jogos lotéricos, atualmente sendo analisada pelo Judiciário. Nesse contexto de incerteza sobre a atividade, a Caixa estaria potencialmente criando barreiras ao desenvolvimento do mercado de intermediação online de serviços lotéricos, dado que estaria sancionando unidades lotéricas que possuem relação comercial com plataformas de intermediação de jogos lotéricos, além de divulgando comunicados, press releases, informes, notas e afins que atribuem caráter de ilegalidade à atividade econômica exercida por plataformas de intermediação de jogos lotéricos. A Febralot, por sua vez, também estaria divulgando materiais que afirmam ser a intermediação de jogos lotéricos ilícita, ponto não pacificado no Judiciário.
Dessa forma, a SG determinou a instauração de investigação, bem como impôs Medida Preventiva para determinar que Caixa e Febralot (i) retirem de suas páginas da internet materiais que atribuam caráter de ilegalidade à atividade econômica exercida por plataformas de intermediação de jogos lotéricos, (ii) deixem de divulgar, publicar e/ou de qualquer forma se manifestar publicamente de maneira a atribuir ou sugerir caráter de ilegalidade às plataformas de intermediação de jogos lotérico, exceto no exercício postulatório em processos administrativos e/ou judiciais e (iii) divulguem o a presente decisão da SG. Além disso, a Medida Preventiva determina que a Caixa deixe de aplicar sanções, na forma de multa, descredenciamento ou qualquer outra espécie de penalidade, em desfavor de unidades lotéricas que mantenham relação comercial com plataformas de intermediação de jogos lotéricos.
SG mantém aprovação de operação após alteração de escopo pelas requerentes
A SG deferiu pedido de Savegnago Supermercados Ltda. (Savegnago), Paulistão – Empreendimentos e Participações Ltda. (PEP) e Makro Atacadista S.A. (Makro) para manter a decisão de aprovação de ato de concentração mesmo após alteração de escopo pelas requerentes[10].
A operação envolveu originalmente a aquisição, pelo Savegnago e PEP, dos direitos de propriedade sobre imóveis e ativos de dois pontos comerciais de varejo de autosserviço localizados nas cidades de Franca e Campinas, bem como de um ponto comercial e um posto de combustível na cidade de Ribeirão Preto, detidos pelo Makro. A operação foi aprovada sem restrições pela SG considerando que as participações de mercado das requerentes nos segmentos de postos de combustíveis eram inferiores a 20%, sendo que, no varejo de autosserviço, apenas na cidade de Franca a participação superaria o patamar de 20%, mas a elevada rivalidade e baixas barreiras à entrada afastariam preocupações.
Após a conclusão da análise da operação e publicação do Parecer pela aprovação da operação, mas antes do trânsito em julgado da decisão da SG, as requerentes aditaram o Memorando de Entendimentos que formaliza a operação para incluir a aquisição de um posto de combustível na cidade de Franca. As requerentes pediram, então, que o Parecer de aprovação da operação fosse emendado para incluir a aquisição dessa unidade, dado que não implicaria sobreposição horizontal. De fato, a SG entendeu que a inclusão do posto de combustível na operação não resultaria em sobreposição horizontal, de forma que a decisão de aprovação da operação poderia ser mantida.
Destaques da Sessão de Julgamento
Tribunal condena cartel de revenda de combustíveis em Santa Catarina
O Tribunal do CADE condenou[11], por maioria, duas empresas e duas pessoas físicas por formação de cartel no mercado de revenda de combustíveis em cidades do estado de Santa Catarina.
A investigação teve origem em 2020 a partir de denúncia feita pelo Ministério Público de Santa Catarina. Segundo concluído pela SG, um sócio administrador de postos de combustíveis teria contatado via aplicativo WhatsApp o proprietário de postos rivais para combinar preços nas cidades catarinenses de Chapecó, Caçador, São Lourenço, Lajes e Concórdia. Segundo a SG, tais conversas teriam sido facilitadas por uma empresa verticalmente relacionadas às revendedoras, do elo à montante de distribuição de combustíveis.
De fato, durante a 214ª SOJ, o Conselheiro Relator Luis Braido apresentou voto pela condenação das revendedoras de combustíveis. Segundo o Relator, existiriam provas de ajustes de preços entre os proprietários dos postos de gasolina entre os anos de 2016 e 2017. Não obstante, o Relator determinou o arquivamento da investigação em relação à distribuidora de combustíveis, dado que não haveria comprovação de prática de cartel.
O Conselheiro Gustavo Augusto de Lima apresentou voto divergente durante a 217ª SOJ em relação à dosimetria da pena de uma das pessoas físicas, bem como determinando investigação, pela SG, de novas provas que poderiam envolver a distribuidora de combustíveis no acordo colusivo. A maioria do Tribunal acompanhou a divergência. Dessa forma, o Tribunal condenou as Representadas ao pagamento de multas que ultrapassam R$ 55 milhões, e proibiu que os proprietários dos postos de gasolina exerçam comércio em nome próprio ou como representantes de pessoa jurídica pelo prazo de cinco anos.
Tribunal condena Conselho Federal de Odontologia por restringir cartões de descontos em serviços odontológicos
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, condenar o Conselho Federal de Odontologia (CFO) por restringir a aceitação de cartões de descontos em serviços odontológicos[12].
A investigação teve origem em maio de 2020 a partir de denúncia apresentada por uma clínica odontológica que acusou o Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais (CRO/MG) de instaurar processo administrativo disciplinar, com base no Código de Ética Odontológica, por aceitar cartão de descontos em serviços odontológicos. Em seguida, o CFO foi incluído na investigação por ser “o ente responsável pela edição do Código de Ética Odontológica, oferecendo total amparo às ações do CRO/MG”[13]. Ao final, a SG recomendou a condenação dos Representados por entender que a conduta restringe a oferta de serviços odontológicos de forma alternativa com valores mais acessíveis. Os autos foram distribuídos à relatoria do Conselheiro Gustavo Augusto, que abriu prazo para apresentação de propostas de TCC aos Representados. Apenas o CRO/MG apresentou proposta.
Durante a 217ª SOJ, o Conselheiro Relator apresentou voto pela homologação da proposta de TCC[14] apresentada pelo CRO/MG. Segundo o Relator, a proposta estaria em linha com a jurisprudência do CADE por prever compromisso de cessação de prática que impeça programas de desconto no setor odontológico, bem como pela suficiência da contribuição pecuniária em valor de R$ 255 mil. Já durante a 218ª SOJ, o Conselheiro Relator apresentou voto pela condenação do CFO. Segundo o Relator, normas e diretrizes estabelecidas por conselhos profissionais com poder de mercado presumido em decorrência da possibilidade aplicar sanções disciplinares aos profissionais e empresas do setor e que restrinjam a concorrência de forma “desarrazoada, arbitrária ou excessiva” configuram infração à ordem econômica.
Os demais Conselheiros acompanharam o Relator. Dessa forma, o Tribunal, por unanimidade, homologou a proposta de TCC apresentada pelo CRO/MG, bem como aplicou multa ao CFO no valor de R$ 752,7 mil ao CFO, além de determinar a nulidade dos processos disciplinares instaurados e que o CFO altere as restrições a cartões de desconto previstas no Código de Ética Odontológica.
Tribunal determina continuidade de investigação sobre consórcio entre Ipiranga, Raízen e Vibra
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, homologar Despacho de avocação do Conselheiro Luis Braido para determinar a continuidade de investigação[15] que busca apurar a formação de consórcio entre as empresas Ipiranga Produtos de Petróleo S.A. (Ipiranga), Raízen Combustíveis S.A. (Raízen) e Petrobras Distribuidora S.A. (atual Vibra Energia S.A. – “Vibra) para participar de leilões de áreas portuárias destinadas à movimentação e armazenagem de combustíveis.
A investigação foi instaurada de ofício pela SG em julho de 2019 em razão da fraca concorrência verificada nos leilões das áreas portuárias de Cabedelo/PE, e Vitória/ES. Segundo a SG, de quatro áreas portuárias leiloadas, em apenas duas foram apresentadas propostas concorrentes, e o consórcio das empresas venceu todos os leilões. Após a instrução, contudo, a SG determinou o arquivamento da investigação por entender que o CADE deveria intervir apenas nos casos em que a formação de consórcio facilita uma conduta anticompetitiva, enquanto no caso não foram identificados indícios de infração.
Durante a 217ª SOJ, o Conselheiro Luis Braido apresentou pedido de avocação para determinar a continuidade da investigação. Segundo o Conselheiro, a formação de um consórcio para licitações não é uma infração per se, mas, nas hipóteses em que gera redução à competição, requer uma justificativa idônea ou a demonstração de eficiências. No caso, “apesar de elencar grande quantidade de indícios no sentido de que o consórcio, no caso concreto, não possui justificativa idônea e nem eficiências, a SG concluiu pela inexistência de conduta concertada e por alertar às autoridades licitantes quanto à necessidade de atualização dos editais, visando evitar a formação de consórcios que acarretem eliminação da concorrência (…) Dessa forma, a meu ver, a Nota Técnica SG 7/2023, em seu item V (par. 201 a 284), apresenta indícios do cometimento de conduta concertada entre as Representadas (…) justificando, portanto, a instauração de processo administrativo”[16]. A proposta de avocação foi homologada pelos demais Conselheiros.
Tribunal arquiva investigação de fixação de preço de revenda pela Technos
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, arquivar investigação[17] que buscava apurar a licitude de política de fixação de preço mínimo de revenda, pela Technos da Amazônia Indústria e Comércio S.A. (Technos), no mercado nacional de relógios de pulso.
A investigação teve origem em 2017 a partir de denúncia por pessoa física acusando a Technos de exigir que seus revendedores comercializassem produtos online com margem de lucro de 100% sobre o preço bruto da nota fiscal, sob pena de retaliação. No curso da investigação, a Technos confirmou ter adotado política comercial restringindo preços de revendedores online entre 2017 e 2018, alegando que buscaria proteger os revendedores que empreendiam maiores esforços com o atendimento ao consumidor. Contudo, após investigação de mercado, a SG recomendou o arquivamento da investigação. Segundo a SG, embora a participação de mercado da Technos fosse ligeiramente superior a 20% no mercado nacional de relógio de pulsos, a empresa perdeu participação de mercado ao longo do tempo, e o setor seria marcado por alta rivalidade, de forma que eventuais efeitos negativos no mercado seriam improváveis.
Durante a 218ª SOJ, o Conselheiro Relator Sérgio Ravagnani apresentou voto pelo arquivamento da investigação. Segundo o Relator, a conduta de fixação de preços mínimos de revenda deve ser analisada com presunção inicial de ilicitude, mas que pode ser desconstituída por prova em contrário pelo investigado. No caso, o Relator concluiu que a Technos seria incapaz de exercer poder de mercado dadas as condições de rivalidade do setor, de forma que eventual aumento de preços geraria desvio de demanda absorvida por rivais. Ademais, os efeitos da conduta seriam limitados em razão “do curto período de vigência da política comercial implementada (aproximadamente 1 (um) ano); (ii) do escopo limitado da política; (iii) da queda de preços médios das vendas realizadas pela Technos aos seus revendedores; (iv) e da aplicação da política a um universo reduzido de revendedores”. Os demais membros do Tribunal acompanharam o Relator.
Tribunal aprova compartilhamento de bases entre distribuidoras de GLP com restrições
O Tribunal do CADE aprovou, com restrições previstas em Acordo de Controle de Concentrações (ACC), operação[18] consistente na formação de consórcios entre as empresas Companhia Ultragaz (Ultragaz), Bahiana Distribuidora de Gás Ltda. (Bahiana), Supergasbras Energia Ltda. (SGB) e Minasgás S.A. Indústria e Comércio (Minasgás) para o compartilhamento de estruturas de envase e carregamento de granel de gás liquefeito de petróleo (GLP). A Ultragaz e a Bahiana são subsidiárias da Ultrapar, parte do Grupo Ultra. O Grupo Ultra distribui GLP envasado e a granel por meio da Ultragaz nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, bem como nas regiões Norte e Nordeste por meio da Bahiana. A SGB e a Minasgás fazem parte do Grupo SHV e atuam em conjunto na distribuição de GLP no território nacional.
Durante a instrução, a Copa Energia apresentou manifestação como terceira interessada, alegando que a operação suscitaria preocupações como incentivo para que as Requerentes encerrassem contratos com rivais, coordenação no gerenciamento da oferta de GLP e elevação de barreiras artificiais no setor. Contudo, a SG aprovou a operação sem restrições por entender que compartilhamento de bases entre distribuidoras concorrentes é comum no setor, sendo que a operação não geraria uma concentração típica, dado que cada distribuidora continuaria competindo com as demais em termos de venda de GLP, não gerando, portanto, alteração material à concorrência. A Copa Energia recorreu ao Tribunal do CADE.
Durante a 218ª SOJ, a Conselheira Relatora Lenisa Prado votou pela reprovação da operação. Segundo a Relatora, operação envolvendo “dois relevantes concorrentes em mercado concentrado, propício à coordenação, tendo por base arranjo horizontal perene, abre espaço para a constituição de um duopólio de infraestrutura no Brasil, que pode levar a uma redução da competição entre as empresas envolvidas na operação e outros players do mercado”, de forma que a operação “poderia levar a preços mais altos, menor inovação, menor qualidade de serviço e menor motivação para investimentos em infraestrutura”, além de “criar barreiras à entrada de novos concorrentes”.
O Conselheiro Luiz Hoffman apresentou voto pela aprovação da operação com restrições, afirmando que “foram desenhados remédios capazes de reduzir os efeitos das concentrações geradas pelos Consórcios (…) a fim de criar condições para a entrada ou fortalecimento de competidores”. Os demais Conselheiros acompanharam o Conselheiro Luiz Hoffmann, à exceção do Conselheiro Luis Braido, que acompanhou a Relatora. Dessa forma, a operação foi aprovada com restrições estabelecidas em ACC, incluindo:
- garantia de continuidade dos serviços prestados pelas Requerentes a terceiros;
- redução do prazo do contrato de 35 para 13 anos;
- exclusão de previsão contratual sobre direito de preferência para investimento conjunto;
- cláusula de portas abertas para inspeções do CADE;
- exclusão do compartilhamento de bases nos estados do RJ, ES e PR do escopo da operação.
Tribunal condena concessionárias por gun jumping
O Tribunal do CADE declarou, por unanimidade, que operação envolvendo a transferência de ativos da marca Renault Brasil S.A. (Renault) do Grupo Renauto Veículos e Peças Ltda. (Renauto), para a Navesa Veículos Ltda (Navesa) foi consumada sem notificação prévia ao CADE, determinando que a operação seja notificada[19].
A investigação teve origem em resposta a ofício encaminhada pela Renault informando a SG sobre operações de transferência de ativos entre suas concessionárias nos últimos dez anos, dentre as quais operação consistente na transferência de ativos, pelo Renauto, para a Navesa, com sucessão sobre as atividades de concessionária de veículos. Embora as investigadas tenham alegado que a operação não seria de notificação obrigatória, dado que decorreria de uma imposição da Renault para substituir as atividades entre as concessionárias, sem efeitos sobre a concorrência, a SG concluiu que a operação envolveria ato de concentração, por caracterizar aquisição de ativo e envolver grupos econômicos que preenchiam o critério de faturamento para notificação obrigatória.
Durante a 218ª SOJ, o Conselheiro Relator Luiz Hoffmann apresentou voto pelo reconhecimento de infração de gun jumping. Segundo o Relator, a operação envolveu transferência de ativos indispensáveis ao desenvolvimento da atividade de comercialização de veículos novos, sendo que a jurisprudência do CADE reconhece que a aquisição de ativos de concessionária de veículos apresenta natureza de ato de concentração notificável ao CADE. Ademais, a obrigatoriedade de notificação de operação independe da análise dos efeitos produzidos no mercado. Nesse sentido, considerando que a operação não fora notificada ao CADE até então, o Conselheiro Relator determinou a notificação da operação, ficando a fixação de sanção pecuniária sobrestada até que haja decisão de mérito sobre o ato de concentração. Os demais membros do Tribunal acompanharam o Relator.
Tribunal homologa acordos para encerrar investigações de gun jumping no mercado de venda online de passagens de ônibus
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, homologar duas propostas de acordos para encerrar investigações que buscavam apurar a consumação de operações sem a aprovação prévia do CADE no mercado de venda online de passagens de ônibus[20].
As investigações envolveram operações consistentes na incorporação da J3 Operadora Logística S.A. (J3 Operadora), que oferece serviços para facilitar a venda de passagens online de ônibus, pela Bus Serviços de Agendamento S.A. (Bus Serviços), uma plataforma que vende passagens online de ônibus, bem como na aquisição, pela J3 Participações S.A., controladora da J3 Operadora e controlada por grupos do setor de transporte rodoviário, de participação no capital social da Bus Serviços. As operações foram consumadas sem a aprovação prévia do CADE, mas notificadas ad cautelam em 2020 pelas próprias Requerentes após a SG identificá-las em investigação que busca apurar condutas anticompetitivas no mercado de plataformas de vendas online de passagens de ônibus. Ao final, as operações foram aprovadas pelo Tribunal do CADE, oportunidade em que reconheceu que tais operações eram de notificação obrigatória.
A SG recomendou a condenação das Representadas pela consumação das operações sem a notificação prévia ao CADE. Após a recomendação de condenação, as empresas apresentaram propostas de acordos estabelecendo contribuições pecuniárias que alcançam R$ 932.002,76. Durante a 218ª SOJ, os Conselheiros Relatores Victor Fernandes e Luiz Hoffman apresentaram voto pela homologação das propostas. Segundo os Conselheiros, as propostas seriam condizentes com a jurisprudência do CADE e oportunas para solução da controvérsia. Os demais membros do Tribunal acompanharam os Relatores.
Tribunal rejeita proposta para avocar investigação envolvendo suposta prática de sham litigation e abuso de PI por farmacêutica
O Tribunal do CADE decidiu, por maioria, não homologar Despacho da Conselheira Lenisa Prado para avocar investigação[21] que buscava apurar supostas práticas consistentes em prática de sham litigation e abuso de propriedade intelectual pela Astellas Farma Brasil Importação e Distribuição de Medicamentos Ltda. (Astellas).
A investigação foi instaurada em março de 2023 após Representação apresentada pela Apsen Farmacêutica S.A. (Apsen). Segundo a Apsen, a Astellas teria manipulado registro perante o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) para deter patentes diversas envolvendo a mesma invenção, bem como ajuizado diversas ações no Judiciário para dificultar operações de concorrentes no mercado nacional de fármacos para tratamento de bexiga hiperativa à base do princípio ativo mirabegrona. Contudo, em julho de 2023, a SG decidiu arquivar a investigação por entender que não existiam indícios de irregularidade na tramitação dos pedidos de registro de patentes apresentados pela Astellas, bem como inexistiria indício de infração à ordem econômica consistente em abuso de direito de petição.
Durante a 218ª SOJ, a Conselheira Lenisa Prado apresentou Despacho propondo a avocação da investigação. Segundo a Conselheira, seria necessária uma análise mais aprofundada do caso para investigar a possibilidade de abuso de PI. Contudo, o Conselheiro Luiz Hoffmann e o Presidente Alexandre Cordeiro apresentaram voto pela não homologação do despacho. Segundo o Conselheiro, as razões de indeferimento para ingresso de terceiro interessado foram devidamente fundamentadas pela SG, sendo que “a SG efetivamente conduziu um processo investigativo sólido e detalhado, utilizando os recursos e ferramentas disponíveis para a análise do caso, inclusive oficiando os interessados e o INPI acerca das questões levantadas”. Ademais, segundo o Presidente do CADE, o Despacho “não logra êxito em demonstrar as possíveis lacunas da análise deste inquérito que possa causar eventuais riscos à ordem econômica”. Os demais Conselheiros votaram pela não homologação do Despacho de avocação.
[1] Recurso Ordinário Trabalhista nº 0012149-49.2014.5.15.0081.
[2] Inquérito Administrativo nº 08700.000022/2019-11.
[3] Despacho Presidência n° 279/2018 no Processo nº 08700.006891/2018-60.
[4] Nota Técnica nº 12/2023/CGAA2/SGA1/SG/CADE.
[5] Procedimento Preparatório nº 08700.001390/2023-54.
[6] Nota Técnica nº 58/2023/CGAA11/SGA1/SG/CADE.
[7] Procedimento Administrativo para Apuração de Ato de Concentração nº 08700.000287/2020-44.
[8] Procedimento Preparatório nº 08700.005131/2019-16.
[9] Inquérito Administrativo nº 08700.003430/2023-01.
[10] Ato de Concentração nº 08700.003870/2023-50.
[11] Processo Administrativo nº 08700.005639/2020-58. As empresas condenadas são: Stang & Stang Ltda., Comércio de Combustíveis Stang, PPT Comércio de Combustíveis Ltda., Natal Comércio de Combustíveis Stang Ltda., PS Combustíveis Ltda.
[12] Processo Administrativo nº 08700.002535/2020-91.
[13] Nota Técnica nº 27/2022/CGAA2/SGA1/SG/CADE.
[14] Requerimento de TCC nº 08700.002650/2023-17.
[15] Inquérito Administrativo nº 08700.003471/2019-11.
[16] Despacho Decisório nº 17/2023/GAB2/CADE.
[17] Processo Administrativo nº 08700.004563/2017-48.
[18] Ato de Concentração nº 08700.004940/2022-14.
[19] APAC nº 08700.000974/2020-60.
[20] APAC nº 08700.002598/2020-48 e APAC nº 08700.005795/2021-08.
[21] Inquérito Administrativo nº 08700.009881/2022-62.