225ª e 226ª Sessões Ordinárias do Tribunal do CADE, realizadas em 07 e 20 de março de 2024. Pautas, atas e áudio das sessões disponíveis em https://www.gov.br/cade/pt-br
Destaques do Cade
DEE lança estudo sobre o impacto da atuação do CADE em 2023
O Departamento de Estudos Econômicos do CADE (“DEE”) publicou estudo intitulado “Mensuração dos benefícios esperados da atuação do CADE em 2023”. Trata-se da sexta edição de documento de trabalho que busca mensurar o impacto das decisões do CADE para divulgá-lo à sociedade civil. O estudo analisa casos julgados pelo CADE, detalha a metodologia utilizada para estimar os impactos das decisões e avalia os resultados alcançados. Segundo o estudo, a atuação do CADE gerou benefícios na ordem de R$ 16,3 bilhões em 2023, sendo R$ 14,5 bilhões decorrentes de casos de condutas unilaterais, R$ 1,2 bilhão de atos de concentração e R$ 563 milhões de casos de cartéis.
O estudo está disponível no site do CADE e pode ser consultado “aqui”.
DEE emite Nota Técnica sobre regulamentação da lei da igualdade salarial
O DEE publicou Nota Técnica[1] sobre aspectos concorrenciais da regulamentação da Lei nº 14.611/2023, conhecida como “lei da igualdade salarial”. A Nota Técnica respondia um pedido da Câmara Brasileira de Economia Digital, entidade multisetorial da América Latina, sobre possíveis preocupações decorrentes da regulamentação.
A Lei nº 14.611/2023 dispõe sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres e exige a publicação de relatórios semestrais de transparência salarial e critérios remuneratórios por empresas. Nesse sentido, o Decreto nº 11.795/2023 e a Portaria nº 3.714/2023 do Ministério do Trabalho e Emprego regulamentam a publicação dos relatórios, exigindo prestação de informações sobre cargos e valores de salários, décimo terceiro, gratificações, comissões, horas extras e outros, bem como que a publicação seja feita em sites, redes sociais ou locais que garantam ampla divulgação.
Segundo o DEE, informações sobre “remuneração de um determinado trabalhador são concorrencialmente sensíveis e podem facilitar a coordenação entre concorrentes, caso sejam publicadas pelas empresas”. Nesse sentido, “considerando que a contratação de determinados profissionais pode constituir uma variável competitiva importante em muitos mercados, o DEE, nesta oportunidade, estende ao Ministério do Trabalho e Emprego o alerta de que (…) adote as cautelas necessárias para evitar que essa informação se transforme em um instrumento facilitador de comportamentos colusivos que venham produzir danos à livre concorrência”. Dessa forma, o DEE sugeriu:
- a suspensão ou cancelamento de dispositivos sobre a publicização de informações salariais;
- a reavaliação de informações que serão publicizadas, para que não contenham informações sobre a política de remuneração de empresas; e
- a adoção de medidas adicionais de cautela para evitar divulgação de informações sensíveis.
Após a publicação da Nota Técnica, o Tribunal do CADE homologou despacho da Presidência ressaltando que a opinião do DEE não reflete a posição institucional da autarquia, bem como avaliando a pertinência do encaminhamento sugerido pelo DEE. Segundo o Despacho, “as recomendações feitas ao final, mesmo em sede de advocacy, esbarram na ausência de conveniência e oportunidade, na medida em que pedem a revogação e alteração de atos normativos vigentes que estabelecem – corretamente, sob o ponto de vista constitucional – o dever de apresentação de relatórios de transparência salarial. Assim, sem prejuízo da importância de avaliar eventuais riscos concorrenciais na implementação de políticas públicas (se fosse o caso, e não o é), tal como apontado pelo órgão técnico (DEE), não parece haver, neste contexto, razão para a manifestação oficial do CADE em sede de advocacia de concorrência”[2].
Destaques da Superintendência-Geral do CADE
SG não conhece operação envolvendo aquisição de imóvel do Grupo Carrefour
A SG decidiu não conhecer operação[3] envolvendo a aquisição, pela Itajaí Street Mall Ltda. (“ISM”), de imóvel não operacional detido pela WMS Supermercados do Brasil Ltda. (“WMS”), por entender que a operação não constituiria um Ato de Concentração de notificação obrigatória.
A ISM é uma empresa que atua na compra e venda, aluguel e loteamento de imóveis próprios e incorporação imobiliária. A WMS é uma subsidiária do Grupo Carrefour no Brasil que opera em diferentes setores do atacado e varejo físico e digital. As Requerentes notificaram a operação ad cautelam, alegando que não seria de notificação obrigatória por não envolver atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, como exigido por lei, dado que (i) o imóvel, anteriormente ocupado por uma loja de ‘atacarejo’, não possuiria faturamento ou participação de mercado e (ii) a ISM precisaria realizar investimentos significativos para o desenvolvimento das atividades pretendidas com o imóvel.
Segundo a SG, “estando o Ativo-Objeto inativo desde abril de 2023, como informado pelas Partes, esta SG entende que o imóvel se encontra não operacional. Contudo, em linha com os precedentes, tal circunstância não é suficiente para afastar que uma aquisição de ativo não deve ser submetida ao CADE”. Assim, “cabe verificar se no caso em tela estão presentes outros requisitos necessários ao juízo de obrigatoriedade de notificação de aquisição de ativos, quais sejam, a essencialidade para a atividade econômica desenvolvida pela Compradora, a destinação específica e o incremento de capacidade produtiva”.
No caso, concluiu-se que o imóvel “não constitui um ativo essencial ao exercício da atividade exercida pela Compradora, além de não gerar incremento de sua capacidade produtiva por si só”, já que “o Ativo-Objeto que está sendo adquirido era anteriormente utilizado para a operação de um atacarejo, e não guarda relação com a atividade atualmente desempenhada pela ISM, nem com a destinação específica pretendida pela Compradora ao Ativo-Objeto” e “para atender à destinação específica pretendida pelo comprador, o imóvel em questão precisará de modificações estruturais e investimentos, fazendo o Ativo-Objeto estar atualmente distante da atividade empresarial projetada para ele”[4]. Dessa forma, a SG decidiu não conhecer a operação.
SG conhece e aprova sem restrições operação envolvendo aquisição de imóvel rural
A SG decidiu conhecer operação[5] envolvendo a aquisição, por pessoas físicas, de imóvel rural da NovaAgri Infra-Estutura de Armazenagem e Escoamento Agrícola S.A (“NovaAgri”), aprovando a operação sem restrições em razão das baixas participações de mercado.
A NovaAgri atua na exportação de grãos por meio de atividades de armazenagem, transbordo e elevação portuária. A operação envolveu a aquisição de um imóvel rural no município de Luís Eduardo Magalhães/BA por pessoas físicas que detêm participações em empresas de segmentos agropecuários. As Requerentes notificaram a operação ad cautelam, alegando que não seria de notificação obrigatória, dado que (i) nenhum dos compradores individualmente considerados teria faturamento igual ou superior ao mínimo exigido pela lei e (ii) a operação não constituiria um Ato de Concentração nos termos do art. 90 da Lei nº 12.529/11, pois seria uma transação meramente imobiliária que não envolveria atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços.
A SG, contudo, decidiu conhecer a operação. Segundo a SG, todas as pessoas físicas fariam parte do mesmo grupo econômico porque eram sócias de uma holding controladora em comum, cujo faturamento combinado com o de empresas controladas superaria o patamar para notificação obrigatória da operação. Quanto à caracterização de Ato de Concentração de notificação obrigatória, seria necessário avaliar a essencialidade do ativo à atividade dos compradores, sua destinação específica ou o incremento de capacidade produtiva. Para a SG, considerando que os compradores possuem atividades no segmento de cultivo de grãos e capacidade de armazenamento de grãos, bem como que o imóvel objeto da operação era utilizado como armazém graneleiro, a operação possuiria relação direta com as atividades dos compradores e poderia aumentar sua capacidade produtiva, caracterizando Ato de Concentração de notificação obrigatória.
De qualquer maneira, a SG decidiu aprovar a operação sem restrições, dado que as participações das requerentes nos mercados verticalmente relacionados seriam inferiores a 30%.
SG arquiva investigação contra a XP por suposta limitação da concorrência na distribuição de produtos de investimento
A SG decidiu arquivar investigação[6] envolvendo suposto abuso de posição dominante, pela XP Investimentos Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários S/A (“XP”), consistente na suposta limitação da concorrência no mercado de distribuição de produtos de investimento.
A investigação teve origem em agosto de 2022, a partir de representações e denúncias[7] alegando que a XP estaria (i) dificultando a portabilidade de custódia de produtos financeiros para distribuidoras de produtos de investimento concorrentes da XP; (ii) celebrando contratos com cláusulas de não concorrência e não-solicitação com executivos, colaboradores e sócios; e (iii) firmando cláusulas contratuais que dificultariam o acesso de rivais a escritórios de Agentes Autônomos de Investimento (“AAIs”), um canal relevante para captação de clientela e distribuição de produtos de investimento, tais como exigência de prazo mínimo de permanência e devolução de valores investidos em caso de migração.
A SG instaurou investigação e encaminhou ofícios para bancos, corretores de valores e AAIs. Durante o curso da instrução, a EQI – Agentes Autônomos de Investimentos S/S (“EQI”) e a Acqua Vero Agente Autônomo de Investimentos Ltda. (“Acqua Vero”) foram habilitadas como terceiras interessadas.
Ao final, a SG decidiu arquivar a investigação. A SG considerou que a XP atuava em um mercado geral de distribuição de produtos de investimento, envolvendo tanto plataformas abertas como fechadas de distribuição de produtos de investimento. Nesse mercado, a XP não teria capacidade de fechar o mercado para concorrentes, uma vez que deteria baixa participação de mercado A SG também considerou que as cláusulas de não-concorrência e não-solicitação teriam impacto limitado no mercado, dado que alcançariam um número pequeno de pessoas físicas em relação ao total disponível para atuar junto às empresas rivais da XP. Por fim, no que se refere às cláusulas com AAIs, a SG identificou racionalidade econômica para proteger investimentos e evitar condutas oportunistas (free riding), não tendo sido identificados obstáculos relevantes para que rivais incrementassem suas redes de AAIs. Ademais, o número de AAIs disponíveis no mercado teria crescido significativamente nos últimos anos, enquanto a representatividade da XP junto aos AAIs teria caído. Dessa forma, a SG decidiu arquivar a investigação por ausência de indícios de conduta anticompetitiva.
A EQI e a Acqua Vero apresentaram Recursos contra a decisão, requerendo que a investigação seja aprofundada. Os Recursos estão pendentes de análise.
SG instaura investigação para apurar suposta relação de exclusividade com efeitos no mercado de impressos de segurança
A SG decidiu instaurar investigação[8] para apurar suposto abuso de posição dominante pela Nacbras Máquinas Gráficas (“Nacbras”), consistente na celebração de contrato de exclusividade para o fornecimento de impressoras de impressos de segurança.
A investigação teve origem a partir de representação com pedido de medida preventiva apresentada pela M.I. Montreal Informática S/A (“MI Montreal”), que oferta soluções em tecnologia da informação. Segundo a MI Montreal, o Governo Federal lançou um novo modelo de Carteira de Identidade Nacional, cujas exigências de produção para participação em licitações públicas demandariam maquinário específico. Um dos maquinários no mercado brasileiro capazes de atender a demanda governamental seria a impressora fabricada pela Nacbras. Contudo, a Nacbas teria celebrado contrato de exclusividade para o fornecimento dessa impressora para uma única empresa. Segundo a MI Montreal, a exclusividade seria abusiva, pois elevaria artificialmente as barreiras à entrada no mercado de impressos de segurança. Dessa forma, a MI Monstreal solicitou a instauração de investigação, bem como a imposição de medida preventiva para suspender os efeitos da exclusividade até o final da investigação.
A SG instaurou investigação, solicitando manifestação da Nacbras. A Nacbras apresentou manifestação alegando que a exclusividade busca proteger investimentos feitos junto a sua parceira exclusiva para o desenvolvimento de maquinário específico capaz de atender a demanda governamental. Ademais, outras impressoras estariam disponíveis no mercado e seriam capazes de cumprir os mesmos padrões de produção requeridos.
Após a manifestação da Nacbras, a SG decidiu instaurar Inquérito Administrativo. Segundo a SG, seria necessário aprofundar a análise da racionalidade econômica da relação de exclusividade, do funcionamento do mercado de impressos de segurança, bem como dos potenciais efeitos positivos e negativos da conduta. Não obstante, a SG decidiu indeferir o pedido de medida preventiva, dado que não existiriam licitações públicas na iminência de acontecer e outras empresas seriam capazes de oferecer o maquinário necessário para participar das licitações.
Destaques da Sessão de Julgamento
Tribunal esclarece que mera submissão a comando regulatório não constitui infração à ordem econômica em resposta a Consulta da Buser
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, negar cabimento a Consulta[9] formulada pela Buser Brasil Tecnologia Ltda. (“Buser”) que buscava discutir a licitude de estratégia de entrada no mercado de Transporte Rodoviário Interestadual e Internacional de Passageiros (“TRIP”).
A Buser é uma plataforma digital que atua no mercado de transporte coletivo de passageiros por meio de “fretamento colaborativo”, em que pessoas compartilham viagem para um mesmo destino. Segundo a Buser, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”) apresentou minuta de Resolução que supostamente implicaria restrição à oferta e prejuízo aos usuários do serviço de transporte coletivo de passageiros por condicionar a outorga de autorizações para a atuação no TRIP às exigências de viabilidade técnica, operacional e econômica. Assim, como a Buser estaria cogitando entrar no mercado de TRIP, a empresa questionou “se a Buser se sujeitar à norma regulatória que, de forma irrazoável e anticoncorrencial, restringe a concorrência, oferta e rivalidade em determinados mercados relevantes, suspendendo sua entrada nesse mercado, ela incidirá em violação ao art. 36 da Lei n° 12.529/2011?”[10]. Segundo a Buser, a Consulta se enquadraria na hipótese do art. 2º, inciso III, da Resolução CADE nº 12/2015, que permite consultas ao Tribunal do CADE para analisar a licitude de estratégia empresarial planejada, mas não colocada em prática. A Consulta foi distribuída à relatoria do Conselheiro Victor Fernandes.
Durante a 225ª Sessão Ordinária de Julgamento, o Conselheiro Relator Victor Fernandes apresentou voto pelo não cabimento da Consulta. Segundo o Relator, “a existência de autonomia do agente econômico diante do comando regulatório é um requisito fundamental para que se possa discutir eventual infração à ordem econômica”, mas “o questionamento apresentado na presente Consulta não se refere, propriamente, a uma possível ‘conduta anticompetitiva’ cuja responsabilidade possa ser atribuída à Consulente. As empresas que atuam no setor de transporte rodoviário interestadual de passageiros não possuem, de fato, autonomia para escolher se submeter ou não às regras da ANTT”, sendo “possível cogitar que a intenção de fundo da Consulente não era propriamente discutir sua eventual responsabilização, mas sim a de suscitar um debate, perante o Tribunal do CADE, sobre a adequação da Resolução”. Para o Relator, a Consulta “tem por finalidade dirimir dúvidas sobre situações concretas que possam suscitar riscos concorrenciais, permitindo que os agentes econômicos possam adequar sua conduta e evitar a prática de infrações à ordem econômica. Não se trata, portanto, de um mecanismo para questionar, em tese, a validade ou a adequação concorrencial de normas regulatórias setoriais”. Assim, não seria cabível Consulta nos termos formulados pela Buser.
Os demais membros do Tribunal acompanharam o voto do Relator, restando vencido o Conselheiro Gustavo Augusto de Lima em relação a sugestão de encaminhamento de cópia da decisão à ANTT.
Tribunal reconhece gun jumping em operação do Jusbrasil, mas afasta aplicação de multa
O Tribunal do CADE decidiu[11], por unanimidade, reconhecer a configuração de gun jumping em operação envolvendo a aquisição da totalidade das ações da Digesto Pesquisa e Banco de Dados S.A. (“Digesto”) pelo Goshme Soluções Para a Internet Ltda. (“Jusbrasil”), mas afastou a aplicação de multa em razão do reconhecimento de controvérsia razoável sobre os critérios de notificação de Ato de Concentração.
A investigação teve origem em 2023, a partir de denúncia indicando possível consumação de operação envolvendo a aquisição da totalidade das ações da Digesto pelo Jusbrasil sem notificação ao CADE. A SG instaurou investigação e encaminhou ofícios às empresas. Segundo o Jusbrasil e a Digesto, a operação teria sido consumada, mas não seria de notificação obrigatória, dado que os grupos econômicos envolvidos não atingiriam os critérios legais de faturamento. Especificamente, segundo as empresas, a Resolução CADE nº 2/2012 (atual Resolução nº 33/2022) não indica que um fundo de investimento com participação societária superior a 20% na empresa diretamente envolvida na operação deve ser considerado integrante do grupo econômico quando este fundo não detém controle sobre a investida, tendo em vista os termos do art. 4º, § 1º[12]. Dessa forma, Jusbrasil e Digesto não integrariam os grupos econômicos de fundos de investimento com participação em seus capitais, mas sem poder controle. Sem a inclusão do faturamento dos respectivos fundos em seus grupos econômicos, Jusbrasil e Digesto não atingiriam os critérios legais de faturamento para que a notificação da operação fosse obrigatória. De qualquer maneira, as empresas notificaram a operação[13] ao CADE.
Após sua investigação, a SG concluiu que a operação seria de notificação obrigatória. Segundo a SG, o dispositivo relevante não seria o art. 4º, § 1º da Resolução CADE nº 2/2012, “o qual não se aplica a fundos de investimento, mas sim a empresas”, e sim o art. 4º, §2º, da Resolução CADE nº 2/2012[14], que estabelece como parte do grupo econômico para fins de cálculo do faturamento qualquer fundo de investimento que detenha 20% sobre empresa envolvida diretamente na operação, independentemente da existência de controle. Nesse sentido, como fundos de investimento detinham participação superior a 20% sobre a Digesto e Jusbrasil, ainda que não detivessem controle, as empresas deveriam ser consideradas como parte dos grupos econômicos desses fundos. Com a inclusão do faturamento dos fundos no cômputo do faturamento dos grupos econômicos da Digesto e do Jusbrasil, os critérios legais de faturamento seriam atingidos, de forma que a operação deveria ter sido notificada ao CADE. Dessa forma, a SG recomendou ao Tribunal do CADE a condenação da Digesto e Jusbrasil por infração de gun jumping, com aplicação das sanções cabíveis.
Durante a 226ª SOJ, o Conselheiro Relator Victor Fernandes apresentou voto pelo reconhecimento da configuração de gun jumping, mas decidiu afastar a aplicação de multa em razão de controvérsia razoável sobre os critérios de notificação obrigatória de Ato de Concentração envolvendo empresas com fundos de investimento em sua estrutura societária. Segundo o Relator, a questão seria identificar se “basta existir um fundo de investimento em qualquer parte do organograma societário das empresas envolvidas na operação em múltiplos níveis para que as regras de participação societária previstas no §2º sejam aplicáveis para fins de definição de grupo econômico ou as regras desse §2º só se aplicam, de forma primária, quando o fundo de investimento for parte diretamente envolvida na operação (como comprador, sociedade-alvo ou vendedor) […] A questão central que diferencia essas interpretações, portanto, é se um fundo de investimento que seja mero acionista ou quotista de uma empresa diretamente envolvida no negócio jurídico pode ser considerado parte do grupo econômico devido à sua participação acionária mínima de 20%, independentemente de qualquer consideração sobre controle comum”. A resposta correta seria, para o Relator, que “a análise do grupo econômico sempre começa na entidade diretamente envolvida no negócio jurídico. Nesse primeiro momento, é a natureza jurídica das entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico que define como se deve “subir” ou “descer” no primeiro nível da estrutura societária a partir da análise dos vínculos formados no quadro societário daquela entidade. No caso em análise, as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico são duas empresas: Jusbrasil e Digesto. Portanto, para identificar o primeiro “nível” dos laços societários que compõem o grupo econômico dessas empresas, deve-se aplicar as regras do §1º do art. 4º da Resolução 33/2022”.
Assim, considerando a aplicação do art. 4º, §1º da Resolução CADE nº 2/2012, a identificação do grupo econômico para fins de cálculo do faturamento no caso concreto exigiria a identificação de controle comum, não bastando que os fundos detivessem participação acionária de 20% ou mais sobre o Jusbrasil e a Digesto: “se a empresa diretamente envolvida no negócio jurídico possui um fundo de investimento em seu quadro societário, atuando como acionista ou quotista, esse fundo só será considerado parte integrante do grupo econômico da empresa se houver “controle comum, interno ou externo”. Nesse sentido, “pelo menos até o momento de consumação da operação examinada no Ato de Concentração nº 08700.001465/2023-05, não estava clara na prática decisória do CADE a intepretação de que o artigo 4º, § 2º, da Resolução deveria ser aplicado para operações em que os fundos eram apenas cotistas das empresas-alvo, compradora ou vendedora”.
Contudo, embora afastando a aplicação do art. 4º, §2º da Resolução CADE nº 2/2012 ao caso, o Relator concluiu que a operação ainda seria de notificação obrigatória, pela aplicação do art. 4º, §1º. Conforme o Relator, a identificação de controle exigiria a análise dos direitos atribuídos aos acionistas minoritários. Após uma sistematização da jurisprudência do CADE sobre o tema, o Relator identificou que determinados direitos de acionistas minoritários costumam implicar presunção de controle compartilhado:
1. Direito de veto ou necessidade de quórum qualificado para aprovação em Assembleia Geral de matérias como:
a. Aprovação do plano de negócios;
b. Aprovação do orçamento anual;
c. Qualquer alteração no estatuto social que afetem os direitos dos acionistas, independentemente da matéria.
2. Direito de veto ou necessidade de quórum qualificado para aprovação em Conselho de Administração de matérias como:
a. Aprovação do plano de negócios;
b. Aprovação do orçamento anual;
c. Eleição e destituição de diretores da companhia;
d. Aprovação da política de negócios.
3. Direito de indicar membros para o Conselho de Administração, especificamente quando combinado com direitos de veto sobre matérias concorrencialmente estratégicas.
4. Direito de veto sobre decisões relacionadas a investimentos, empréstimos, contratações e outras operações acima de determinados valores.
5. Direito de veto sobre a aprovação de relatórios gerenciais, demonstrações financeiras e a indicação de auditores independentes.”
No caso concreto, os instrumentos de governança das empresas indicavam a existência de direitos atribuídos aos fundos que ultrapassavam a mera proteção do investimento e configuravam controle compartilhado. Dessa forma, tanto o Jusbrasil como a Digesto deveriam ser considerados parte dos grupos econômicos dos fundos de investimento que detinham participação em seus respectivos capitais sociais, não pela participação societária em si, mas pela existência de controle compartilhado. Dessa forma, estaria configurado o gun jumping. Não obstante, considerando a existência de controvérsia razoável sobre a exigência e os respectivos critérios para identificação de controle na jurisprudência do CADE para fins de notificação, o Relator decidiu afastar a aplicação de multa. Ao final, o Relator concluiu com apontamentos sobre a necessidade de reformulação dos critérios de notificação de Atos de Concentração ao CADE, “sobretudo diante da emergência de arranjos societários com participações acionárias dispersas e pulverizadas”. Os demais membros do Tribunal acompanharam o voto do Relator.
Tribunal reconhece gun jumping em operação envolvendo aquisição de ativos industriais
O Tribunal do CADE homologou, por unanimidade, proposta de acordo apresentada por Totalmix Indústria e Comércio Ltda. (“Totalmix”) e Lar Cooperativa Agroindustrial (“Lar”) para encerrar investigação que buscava apurar a consumação de operação, sem notificação ao CADE[15], de aquisição de ativos industriais da Lar pela Totalmix.
A investigação teve origem a partir de denúncia noticiando a suposta venda de dois imóveis que compõem unidade industrial de processamento de mandioca e milho, bem como máquinas, equipamentos, móveis e utensílios alocados na unidade industrial, da Lar para a Totalmix. A SG instaurou investigação, solicitando manifestação das requerentes sobre a consumação da operação. Segundo concluído pela SG, a operação consistiria em Ato de Concentração por envolver ativo essencial à atividade da Totalmix e por representar acréscimo de sua capacidade produtiva. Ademais, a Totalmix e a Lar cumpriam com os patamares mínimos de faturamento, de forma que a operação deveria ter sido notificada ao CADE. Assim, a SG recomendou a condenação da Totalmix e da Lar ao Tribunal do CADE por infração de gun jumping. Após a recomendação de condenação, a Totalmix e Lar apresentaram proposta de acordo para encerrar a investigação.
Durante a 226ª SOJ, o Conselheiro Relator Gustavo Augusto de Lima apresentou voto pela homologação da proposta de acordo. Segundo o Relator, “unidades industriais, acompanhadas das respetivas máquinas, equipamentos, móveis e utensílios da planta industrial, podem ser consideradas como ativos produtivos essenciais para o desenvolvimento da atividade de processamento de mandioca e milho. Esse tipo de transferência pode alterar a capacidade produtiva dos concorrentes e alterar a estrutura do mercado, hipótese que atrai o controle preventivo de estruturas por parte do Cade”. Dessa forma, o Relator homologou proposta de acordo reconhecendo a infração de gun jumping com concessão de prazo de 30 dias corridos para notificação da operação, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 após 10 dias de descumprimento. Ademais, a fixação de sanção pecuniária ficou sobrestada até que haja decisão final de mérito sobre os efeitos do Ato de Concentração aos mercados envolvidos. Os demais Conselheiros acompanharam o voto do Relator.
Tribunal aplica multa por oposição de Embargos de Declaração protelatórios
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, multar o Centro Automotivo Delta Ltda. (“Centro Automotivo Delta”) e uma pessoa física pela apresentação de Embargos de Declaração com caráter protelatório em Processo Administrativo que apurou a formação de cartel[16].
Em setembro de 2023, o Tribunal do CADE condenou o Centro Automotivo Delta e uma pessoa física por formação de cartel em licitação destinada à compra de combustíveis pela Prefeitura de Francisco Beltrão/PR. Após a condenação, os representados apresentaram Embargos de Declaração, indeferidos pelo Tribunal do CADE. Em seguida, os representados apresentaram novos Embargos de Declaração, reiterando as alegações.
Durante a 225ª SOJ, o Conselheiro Relator Gustavo Augusto de Lima apresentou voto pelo indeferimento dos Embargos de Declaração, bem como pela aplicação de multa pelo caráter protelatório. Segundo o Relator, “o julgamento dos primeiros embargos já havia deixado claro que não havia omissão a ser esclarecida, uma vez que a tese defendida havia sido expressamente enfrentada no voto embargado”, sendo “inegável, portanto, que os embargantes repetem os mesmos pontos e questões já aduzidos nos autos, sem efetuar qualquer exame específico sobre os fundamentos do voto que ora embargam e sem impugnar, de forma especificada, a ratio decidendi dos julgamentos anteriores deste Tribunal”[17]. Nesse sentido, o Relator votou pela aplicação de multa no valor de 1% sobre o montante da pena decorrente da formação de cartel. Os demais Conselheiros acompanharam o voto do Relator.
Tribunal homologa TCC em investigação de pessoas físicas por cartel internacional no mercado de transporte marítimo de cargas rolantes
O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, homologar proposta de TCC[18] apresentada por pessoa física em processo[19] que busca apurar suposta participação de pessoas físicas em cartel internacional, com efeitos no Brasil, no mercado mundial de serviços de transporte marítimo de cargas rolantes, realizados por navios do tipo “Roll-on Roll-off”. Trata-se de procedimento desmembrado da investigação principal, julgado pelo Tribunal em março de 2022[20]. Por meio do TCC, o compromissário admitiu a participação no cartel, se comprometeu a colaborar com a investigação, bem como recolheu contribuição pecuniária no valor de R$ 96.787,50.
[1] Nota Técnica nº 3/2024/DEE/CADE nos autos do Processo nº 08700.000251/2024-94.
[2] Despacho Presidência nº 37.
[3] Ato de concentração nº 08700.000735/2024-33.
[4] Parecer nº 94/2024/CGAA5/SGA1/SG.
[5] Ato de Concentração nº 08700.000692/2024-96.
[6] Inquérito Administrativo nº 08700.006476/2022-92.
[7] Denúncia nº 08700.003466/2020-33, Denúncia e Representação nº 08700.004242/2021-20; Procedimento Preparatório n° 08700.002135/2022-48; e Procedimento Preparatório n° 08700.002224/2022-94.
[8] Inquérito Administrativo nº 08700.008555/2023-19.
[9] Consulta nº 08700.007327/2023-21.
[10] Petição da Buser.
[11] Processo Administrativo para Apuração de Ato de Concentração nº 08700.000641/2023-83.
[12] Art. 4º Entende-se como partes da operação as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico sendo notificado e os respectivos grupos econômicos.
- 1º Considera-se grupo econômico, para fins de cálculo dos faturamentos constantes do art. 88 da Lei nº 12.529/2011, cumulativamente:
I – as empresas que estejam sob controle comum, interno ou externo; e
II – as empresas nas quais qualquer das empresas do inciso I seja titular, direta ou indiretamente, de pelo menos 20% (vinte por cento) do capital social ou votante.
[13] Ato de Concentração nº 08700.001465/2023-05.
[14] Art. 4º Entende-se como partes da operação as entidades diretamente envolvidas no negócio jurídico sendo notificado e os respectivos grupos econômicos.
- 2° No caso dos fundos de investimento, são considerados integrantes do mesmo grupo econômico para fins de cálculo do faturamento de que trata este artigo, cumulativamente:
I – O grupo econômico de cada cotista que detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 50% das cotas do fundo envolvido na operação via participação individual ou por meio de qualquer tipo de acordo de cotistas; e
II – As empresas controladas pelo fundo envolvido na operação e as empresas nas quais o referido fundo detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 20% (vinte por cento) do capital social ou votante.
[15] Processo Administrativo para Apuração de Ato de Concentração nº 08700.003705/2023-06.
[16] Processo Administrativo nº 08700.005637/2020-69.
[17] Despacho Decisório nº 10/2024/GAB3/CADE.
[18] Requerimento de TCC nº 08700.007495/2023-17.
[19] Processo Administrativo nº 08700.003910/2019-87.
[20] Processo Administrativo nº 08700.001094/2016-24.