227ª e 228ª Sessões Ordinárias do Tribunal do CADE, realizadas em 03 e 17 de abril de 2024.
Pautas, atas e áudio das sessões disponíveis em https://www.gov.br/cade/pt-br


Destaques do Cade

Mandato de Procuradora-Chefe do CADE se encerra

O mandato da Procuradora-Chefe do CADE Juliana Oliveira Domingues se encerrou no mês de abril. Durante a 228ª Sessão Ordinária de Julgamento (SOJ), a então Procuradora-Chefe foi homenageada pelo exercício de suas funções. A Presidência da República indicou André Luís Macagnan Freire para ocupar o cargo.

 

CADE lança Manual para uso de Trustees

A Superintendência-Geral do CADE (SG) publicou documento intitulado “Manual para uso de Trustee/Manual Trustee”, que tem como finalidade uniformizar e aprimorar a fiscalização do cumprimento de decisões e acordos em casos em que há designação de terceiros independentes contratados pelo CADE (trustees). O Manual discute o conceito e os diferentes tipos de trustees (trustee de monitoramento, trustee de desinvestimento e trustee de operação), as atribuições de responsabilidades aos trustees e às partes compromissárias, bem como os procedimentos para nomeação, aprovação, substituição, encerramento e reconhecimento de descumprimento envolvendo a atuação do trustee. O Manual também conta com dois Apêndices que ilustram uma cláusula padrão para adoção de trustees acordos e um modelo de instrumento de mandato.

O Manual Trustee pode ser acessado no website do CADE “aqui”.

 

CADE lança Guia de Análise de Atos de Concentração Não Horizontais

O CADE publicou versão final do “Guia de Análise de Atos de Concentração Não Horizontais” (Guia V+), documento que consolida o padrão de análise do CADE em operações entre empresas que não concorrem no mesmo mercado, mas possuem atividades relacionadas. O Guia V+ foi objeto de consulta pública em 2023, e sua versão final foi aprovada pelo Tribunal do CADE na 228ª SOJ, realizada em 17 de abril de 2024.

O Guia V+ não possui caráter vinculante ao CADE, mas estabelece diretrizes para garantir maior transparência e previsibilidade aos agentes de mercado. O Guia V+ está estruturado em quatro principais seções:

  • A primeira seção identifica concentrações não horizontais, compreendendo tanto fusões verticais entre empresas que operam em diferentes níveis da mesma cadeia produtiva, quanto fusões conglomerais, que não se enquadram como fusões horizontais ou verticais, mas cujas empresas estão relacionadas de alguma forma, como por meio de clientes, produtos ou processos produtivos comuns;
  • A segunda seção compreende o padrão de análise das operações, consistente em cinco etapas: (i) definição de mercados relevantes, uma ferramenta opcional ao CADE que contém particularidades em operações não horizontais, como a existência de múltiplos mercados e a necessidade de análise das relações de compra e venda de insumos entre eles para definição dos mercados; (ii) determinação das participações de mercado, cujo tratamento sumário pode ser recomendado quando inferiores a 30% ou se as atividades das partes forem cativas; (iii) avaliação da capacidade e incentivo para exercício de poder de mercado, considerando fatores como a relevância das empresas, a existência de insumos irreplicáveis e barreiras à entrada, custos de troca entre fornecedores e a rentabilidade de práticas anticompetitivas; (iv) análise de eficiências prováveis, tempestivas, específicas à operação e repassáveis aos consumidores finais, como eliminação da dupla margem, redução dos custos de transação, melhor coordenação do processo produtivo e da cadeia de distribuição, compartilhamento de dados e eliminação do “efeito carona”; e (v) desenhos de remédios comportamentais e estruturais.
  • A terceira e a quarta seções apresentam as principais preocupações envolvendo Atos de Concentração não horizontais, como efeitos unilaterais consistentes no fechamento de mercados de insumos e de clientes ou de ecossistemas digitais, elevação dos custos de rivais, acesso a informações sensíveis e aumento do poder de barganha, bem como maiores riscos de efeitos coordenados, tais como facilitação de trocas de informações sensíveis entre rivais ou acordos para fixação de variáveis competitivas.

O Guia V+ pode ser acessado no website do CADE “aqui”.

 


Destaques do Judiciário

STF mantém improcedência de ação sobre recusa de fornecimento de GLP

O STF negou seguimento a Recurso Extraordinário[1] interposto pelo Ministério Público do Estado do Piauí (MPPI) contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI) que declarou improcedente ação contra a Copagaz Distribuidora de Gás S.A. (Copagaz) e Nacional Gás Butano Distribuidora Ltda. (NGB) por suposta infração à ordem econômica consistente na recusa de fornecimento de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) para beneficiar seus próprios grupos econômicos.

Em setembro de 2018, o MPPI apresentou Ação Civil Pública alegando que Copagaz e NGB estariam recusando o cadastramento de novos revendedores e o fornecimento de GLP no município de Altos/PI para favorecer seus próprios grupos econômicos, requerendo que as empresas fossem obrigadas a fornecer GLP. Intimadas, a Copagaz e a NGB apresentaram defesa alegando que não possuíam poder de mercado, bem como que suas condutas estavam pautadas em justificativas econômicas razoáveis e pelo princípio da livre iniciativa.

O Juízo de Primeira Instância julgou a ação integralmente improcedente, o que foi mantido em segunda instância pelo TJPI sob o fundamento de que “as apeladas demonstraram que a recusa da inclusão de mais um revendedor prejudicaria o próprio fornecimento naquela área, uma vez que, já se encontra saturada com treze revendedoras, além da demanda proporcional a população de Altos/PI. Desse modo, não foi demonstrado que as requeridas estão excluindo ou privilegiando determinadas empresas para fazerem parte do seu grupo de forma individual ou combinada para configurar prática de cartel, nos termos do art. 36, §3, inc. I, da Lei n° 12.529/2011”.

O MPPI recorreu do acórdão, alegando que a decisão criaria reserva de mercado em favor de agentes econômicos estabelecidos, em afronta a dispositivos constitucionais referentes à livre iniciativa, à defesa do consumidor e à livre concorrência. O STF, contudo, negou seguimento ao recurso. Segundo o Ministro Relator Dias Toffoli, o MPPI “não apresentou tópico de repercussão geral da matéria devidamente fundamentada nos aspectos econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos da causa frente às questões constitucionais invocadas no recurso extraordinário”. Ademais, “o exame da pretensão recursal não prescinde da análise da legislação infraconstitucional aplicável à espécie (Resolução ANP nº 51/2016) e do reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Assim, a afronta aos dispositivos constitucionais suscitados no recurso extraordinário seria, se ocorresse, indireta ou reflexa, o que é insuficiente para amparar o apelo extremo. Incidência da Súmula nº 279 desta Corte”. Dessa forma, o STF negou seguimento ao recurso interposto pelo MPPI, mantendo a decisão do TJPI.

 


Destaques da Superintendência-Geral do CADE

SG não conhece operação envolvendo aquisição de galpões pela SPAL

A SG decidiu não conhecer operação[2] envolvendo a aquisição, pela SPAL Indústria Brasileira De Bebidas S.A. (SPAL), de dois galpões logísticos da Fulwood Investimentos e Participações (Fulwood), entendendo não se tratar de um Ato de Concentração de notificação obrigatória.

A SPAL atua na fabricação, engarrafamento, venda e distribuição de produtos da marca Coca-Cola em diferentes regiões do país. A Fulwood é um fundo de investimentos do Grupo Fulwood, especializado na incorporação de galpões e condomínios logístico-industriais. A operação envolveu a aquisição de dois galpões contendo escritório, salas de reunião, refeitório, cozinha, banheiros, vestiários e ambulatório na cidade de Jundiaí/SP que já eram alugados pela SPAL e integrados às suas fábricas. As Requerentes notificaram a operação ad cautelam, alegando que não seria um Ato de Concentração de notificação obrigatória porque (i) os imóveis seriam acessórios à atividade-fim da SPAL, dado que a empresa não atua no segmento imobiliário, e (ii) a aquisição não implicaria aumento da capacidade produtiva da SPAL, posto que a empresa já era locatória do imóvel.

A SG decidiu não conhecer a operação. Segundo a SG, os galpões diriam respeito a “um aspecto de atividade-meio em relação à atividade-fim da Compradora”, de forma que não seriam essenciais às atividades desempenhadas pela SPAL. Além disso, a aquisição dos imóveis não alteraria a dinâmica concorrencial, considerando que a SPAL já detinha a posse sobre os galpões logísticos – “Assim, por se entender que a aquisição dos Ativos-Alvo não possui a característica de essencialidade à atividade-fim da Compradora e tampouco confere a ela incremento de capacidade produtiva, pois os Ativos-Alvo já têm sido utilizados desde 2015 pelo grupo da Compradora por força de contrato de locação, entende-se que a Operação não deve ser conhecida[3].

 

SG não conhece operação de aquisição de participação societária sobre a VLI

A SG decidiu não conhecer operação[4] envolvendo a aquisição, pelo Brookfield Brazil Infrastructure Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia (Brooksfield Brazil Infrastructure FIP), de ações da VLI S.A. (VLI).

O Brooksfield Brazil Infrastructure FIP é um fundo de investimento que integra o Grupo Brooksfield, que detêm investimentos em setores estratégicos, dentre os quais atividades de gestão e terceirização de frotas que podem incluir transporte rodoviário por meio da marca Unidas. A operação envolveu o exercício de opção de compra, pelo Grupo Brooksfield, de ações representativas de 10% do capital social da VLI, uma empresa com atividades de logística, incluindo soluções ferroviárias e transporte rodoviário para levar as cargas até as ferrovias. As Requerentes notificaram a operação ad cautelam, alegando que a operação não seria de notificação obrigatória, dado que envolveria aquisição de participação societária inferior a 20% em empresa sem relação vertical ou horizontal com a compradora.

De fato, a SG decidiu não conhecer a operação. Segundo a SG, primeiro, a operação não acarretaria aquisição de controle em razão de mecanismos de governança em acordo de acionistas. Ademais, não existiria integração vertical entre as atividades de transporte rodoviário de carga da Unidas e as atividades de intermediação para contratação de transportadores rodoviários pela VLI, “visto que tais serviços são prestados de forma cativa e acessória aos serviços principais da VLI (transporte ferroviário) e da Unidas (gestão e terceirização de frota), de forma que a Operação não seria capaz de alterar a estrutura concorrencial do mercado, dado que tais serviços não são ofertados de modo individual a terceiros”. Assim, “considerando a ausência de relação horizontal ou vertical entre o Grupo Brookfield e o Grupo VLI, a Operação somente seria de notificação obrigatória, nos termos da Resolução Cade n° 33/2022, se envolvesse a aquisição de pelo menos 20% de participação societária, conforme disposto no art. 10, inciso I”.

 

SG arquiva investigação que apurava suposto abuso de posição dominante pela concessionária do aeroporto de Jundiaí/SP

A SG decidiu arquivar investigação[5] que buscava apurar suposto abuso de posição dominante pela Voa SP SPE S.A. (Voa SP) consistente em suposta recusa de acesso a áreas necessárias para a prestação de serviços de abastecimento de aeronaves no aeroporto Comandante Rolim Adolfo Amaro (aeroporto de Jundiaí).

A Voa SP é a concessionária responsável pela operação, manutenção e exploração do aeroporto de Jundiaí. A investigação foi instaurada pela SG em fevereiro de 2020 após a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) informar que teria havido suposta recusa de acesso, pela Voa SP, às áreas necessárias para a prestação de serviços de abastecimento de aeronaves no aeroporto de Jundiaí. Segundo apurado pela SG, a Voa SP contratou um distribuidor de combustível de aviação exclusivo por meio de concorrência privada, bem como rescindiu contratos com a Raízen Combustíveis S/A (Raízen) e BR Distribuidora (atual Vibra Energia), que operavam no aeroporto de Jundiaí até então. Dessa forma, a SG instaurou Procedimento Preparatório, bem como encaminhou ofícios para a Voa SP, a ANAC, associações e empresas do setor solicitando informações adicionais.

Após as manifestações, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, embora a Voa SP tivesse posição dominante no mercado de postos de abastecimento de aeronaves no aeroporto de Jundiaí, “uma vez que o cenário anterior à concorrência privada indicava que os fornecedores de combustíveis de aviação na praça de Jundiaí detinham poder para aumentar preços, a decisão da Voa SP de selecionar propostas por meio de um processo competitivo para atendimento a todos os aeroportos explorados pela concessionária representa um mecanismo de contraposição ao poder dos agentes do mercado de distribuição e revenda de combustíveis”. Ademais, “a existência de um único fornecedor em alguns aeroportos públicos no Estado de São Paulo foi identificada na pesquisa de mercado. A prática tem sido adotada por concorrentes com o propósito específico de alcançar maior eficiência de custos, de acordo com informações da Representada”[6]. Nesse sentido, a SG constatou que existiriam justificativas razoáveis para a conduta, consubstanciadas em redução de preços dos combustíveis no aeroporto. Dessa forma, a SG arquivou a investigação por ausência de indícios de infração à ordem econômica.

 

SG arquiva denúncia sobre política de milhas aéreas da American Airlines

A SG decidiu arquivar denúncia[7] de suposto abuso de posição dominante pela American Airlines, Inc (American Airlines) consistente na restrição do uso de milhas áreas à própria empresa ou parceiras selecionadas.

A denúncia foi feita em abril pela Associação Brasileira de Agências de Viagem (ABAV) e pela Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas (ABRACORP). Segundo as associações, a American Airlines teria anunciado política de milhas áreas segundo a qual os consumidores teriam direito aos pontos em programa de fidelidade apenas se contratassem diretamente com a American Airlines ou parceiras selecionadas, o que configuraria abuso de posição dominante por formar reserva de mercado, restringindo a oferta de milhas aéreas a empresas terceiras e limitando a concorrência no mercado de turismo.

A SG, contudo, entendeu que não existiriam elementos suficientes para justificar a instauração de investigação. Segundo a SG, os fatos “não configuram um problema concorrencial, pois a companhia aérea estaria oferecendo descontos para uma espécie de rede credenciada, não havendo obrigatoriedade de comprar com essa rede”. Além disso, “a American Airlines dificilmente tem poder de mercado aqui no Brasil em alguma rota, e o consumidor tem a liberdade de comprar de outra companhia aérea e pontuar em outro programa de milhagem. Observa-se, portanto, tratar-se de uma estratégia comercial da empresa, sem sinais de conduta anticoncorrencial[8]. Dessa forma, a SG decidiu arquivar a denúncia.

 

SG arquiva investigação contra Honeywell por suposta recusa de fornecimento

A SG decidiu arquivar investigação[9] que buscava apurar suposta recusa de fornecimento pela Honeywell do Brasil Ltda. (Honeywell) de manuais técnicos para manutenção, reparo e revisão (MRO) de motores para aviação a fornecedores independentes.

A investigação foi instaurada a partir de denúncia apresentada pela CSA Centro de Serviços Aeronáuticos LTDA (CSA), uma fornecedora independente de serviços de MRO para aviação. Segundo a CSA, a Honeywell fabrica produtos, sistemas e serviços de aviação, mas estaria se recusando a fornecer manuais técnicos indispensáveis à execução de serviços de MRO, o que inviabilizaria que a CSA e outras empresas independentes de MRO pudessem operar no Brasil em decorrência da impossibilidade de certificação pela ANAC. Dessa forma, a SG instaurou investigação, encaminhando ofícios à Honeywell e à ANAC para que apresentassem informações.

Após manifestações, contudo, a SG decidiu arquivar a investigação. Segundo a SG, a Honeywell não presta serviços de manutenção no Brasil e, portanto, não concorre com a CSA, de forma que não existiriam incentivos a uma conduta anticompetitiva. Ademais, a recusa de fornecimento seria justificada por riscos legítimos envolvendo questões comerciais e de propriedade intelectual. Nesse sentido, a SG concluiu que “frente às evidências apresentadas, entende-se que o fornecimento ou licenciamento de manuais em questão trata-se de uma lide privada que já está sendo debatida na esfera judicial (…) na qual a Anac manifestou ausência de interesse processual vista tratar-se de questões estritamente comerciais”, de forma que “muito embora as condutas denunciadas possam ser consideradas matéria de competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, não há indícios de que as práticas da Honeywell configurem ilícitos[10].

 


Destaques da Sessão de Julgamento

Tribunal reprova operação de aquisição da Trevo pela Knauf no mercado de drywall

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, reprovar operação[11] consistente na aquisição, pela Knauf do Brasil Ltda. (Knauf), de controle da Trevo Industrial de Acartonados S.A. (Trevo).

A Knauf integra o Grupo Knauf, conhecido por fabricar gesso, materiais de isolamento e sistemas de drywall. Já a Trevo é uma empresa especializada na fabricação de placas de drywall. A operação foi notificada ao CADE em maio de 2023 e resultaria sobreposição horizontal nos mercados nacionais de perfis metálicos, fixadores metálicos, fitas adesivas, massas à base de gesso, isolamento termoacústico e drywall. Após teste de mercado com empresas e associações do setor, a SG decidiu impugnar a operação, remetendo os autos ao Tribunal do CADE com recomendação de reprovação. Segundo a SG, as Requerentes detinham baixas participações em todos os mercados envolvidos, com exceção do mercado de drywall, em que as participações combinadas atingiam 30-40%, sendo esse mercado caracterizado por significativas barreiras à entrada e restrições à importação decorrentes de medidas antidumping. Além disso, a operação reduziria o número de empresas no setor de 4 para 3, e existiria baixa capacidade ociosa e limitações na capacidade de expansão de rivais. Dessa forma, “as informações colhidas ao longo desta instrução não foram suficientes para esta SG/Cade afastar os riscos de: a) possíveis incentivos para um aumento conjunto de preços; b) que os investimentos em desenvolvimento/melhoria da qualidade dos produtos ou/e dos serviços, serão restringidos devido a ausência de efetiva rivalidade no mercado de drywall”, e “a Operação tem o efeito de favorecer possíveis estratégias de coordenação, ao reduzir o número de concorrentes[12].

Com a impugnação pela SG, os autos foram distribuídos ao Conselheiro Victor Fernandes. O Conselheiro Relator conduziu teste de mercado complementar com empresas do setor, bem como abriu oportunidade para negociação de remédios com as Requerentes. Durante a 228ª SOJ, contudo, o Relator apresentou voto pela reprovação da operação, concluindo que “o mercado de drywall não tem um histórico de entradas recentes; que há indícios de barreiras à entrada nesse mercado, em especial em relação aos elevados investimentos iniciais necessários; e, por fim, que a entrada é improvável”, de forma que não seria possível afastar riscos de exercício de poder de mercado. Além disso, “estão presentes uma série de características que favorecem a colusão, principalmente: (i) reduzido número de empresas; (ii) simetria de capacidade entre empresas; (iii) reduzido poder de compra de clientes; (iv) certa transparência quanto à capacidade instalada e outras informações relevantes sobre os concorrentes nesse mercado; (v) estabilidade tecnológica em termos de produtos e processos; e (vi) ausência de formas de conduta de precificação mais agressiva”.

Nesse sentido, a proposta de remédios comportamentais apresentada pelas Requerentes, consistente em manutenção de volume de produção, regulação de preços, compromisso de investimentos e desinvestimentos de marcas, não seria suficiente para mitigar as preocupações. Segundo o Relator, o histórico de remédios comportamentais na jurisprudência do CADE em operações similares mostraria que tais casos demandam custos significativos de monitoramento, colocam a autoridade concorrencial em uma posição interventiva no mercado, bem como possuem altos riscos de descumprimento. Assim, considerando que “a própria natureza da operação inviabiliza a aplicação de um remédio estrutural, pois a Knauf possui apenas uma fábrica de produção, para o drywall e seus demais produtos (…) só seria possível a aprovação da operação com remédios comportamentais – uma solução que não é a ideal”. O voto do Relator foi acompanhado pelos demais membros do Tribunal.

 

Tribunal reconhece licitude de negociação conjunta para compra de materiais de construção

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, reconhecer em sede de Consulta[13] formulada pelas empresas Cassol Materiais de Construção Ltda. (Cassol) e Todimo Materiais para Construção S.A. (Todimo) a licitude de estratégia comercial consistente na negociação conjunta para compra de materiais de construção.

A Cassol e a Todimo operam no mercado de comércio varejista de materiais de construção por meio da revenda de produtos em munícipios distintos. Segundo as Consulentes, as empresas iniciaram tratativas, mas não colocaram em prática, estratégia comercial consistente na formação de um Comitê de Compras para negociação conjunta com fornecedores, bem como para reuniões operacionais para avaliação das condições de compra, mantendo-se, contudo, autonomia para decisão final, definição de preços, celebração dos contratos e gerenciamento de estoque. Segundo as Consulentes, a estratégia beneficiaria os consumidores, dado que permitiria contraposição ao poder de barganha dos fornecedores, reduzindo preços e melhorando o mix de produtos em suas lojas. Nesse sentido, as Consulentes solicitaram ao Tribunal do CADE o ateste de licitude da estratégia comercial. A Consulta foi distribuída ao Conselheiro Carlos Jacques Vieira Gomes.

Durante a 227ª SOJ, o Conselheiro Relator Carlos Jacques Vieira Gomes apresentou voto pelo reconhecimento da licitude da estratégia comercial. Segundo o Relator, existiriam três preocupações a analisar: (i) eventual configuração de contrato associativo; (ii) risco de exercício de poder de monopsônio; e (iii) risco de troca de informações concorrencialmente sensíveis. Primeiro, o Relator afastou a possibilidade de configuração de contrato associativo em razão da inexistência de empreendimento comum e compartilhamento de riscos, dado que haveria baixo nível de cooperação entre os negócios das Consulentes na atividade-fim do mercado de varejo de materiais de construção. Segundo, considerando a baixa representatividade das compras das Consulentes em relação ao total das vendas dos seus principais fornecedores, não existiria poder de compra capaz de ensejar exercício de poder de monopsônio. Por fim, o Relator também concluiu que o risco de troca de informações sensíveis seria mitigado “considerando (i) a ausência de poder de monopsônio, (ii) o fato de as Consulentes não serem concorrentes no mercado físico de varejo de materiais de construção em âmbito municipal; (iii) a reduzida participação de mercado das Consulentes no mercado de aquisição de materiais de construção; (iv) as características do contrato e do mercado objeto da Consulta”, este último pulverizado e com elevada rivalidade. Os demais membros do Tribunal acompanharam o voto do Relator.

 

Tribunal condena cartel em licitação para urbanização de favelas do Rio de Janeiro (PAC-Favelas)

O Tribunal do CADE decidiu[14], por maioria, condenar as empresas Delta Construções S.A. (Delta), COESA S.A. (COESA) e Álya Construtora S.A. (Álya”, antiga Construtora Queiroz Galvão S.A.), bem como duas pessoas físicas, por formação de cartel em licitações para urbanização do Complexo do Alemão, do Complexo de Manguinhos e da Comunidade da Rocinha na cidade do Rio de Janeiro/RJ por meio do Programa de Aceleração do Crescimento em favelas (PAC-Favelas).

A investigação teve origem em novembro de 2016 a partir de acordo de leniência firmado pela Andrade Gutierrez Engenharia S.A. (Andrade Gutierrez), no contexto de operação da Polícia Federal que apurava ilícitos em obras públicas no Rio de Janeiro como parte da Operação Lava Jato. Durante a investigação do CADE, foram celebrados Termos de Compromisso de Cessação (TCCs) por representados que reconheceram sua participação no cartel e apresentaram documentação adicional. Segundo apurado pela SG, existiriam provas de troca informações sensíveis, acordos para fixação de preços e condições comerciais e divisão de mercado em licitações entre 2007 e 2008, consubstanciadas em contatos telefônicos e e-mails, alterações em editais de licitações e propostas de cobertura.

Durante a 208ª SOJ, o então Conselheiro Relator Sérgio Ravagnani apresentou voto pela condenação de diversos representados, inclusive de empresas em relação às quais o conjunto probatório era limitadas a provas indiretas, tais como (i) ocorrência de contratação das mesmas empresas para projetos de urbanização com registros sequenciais em cartórios; (ii) tabelas com suposta divisão de clientes, cujos resultados não se concretizaram, bem como compromissos de calendários em e-mails, pautas de reuniões e relatórios contendo supostos temas sensíveis discutidos. Segundo o Relator, tais provas seriam suficientes para comprovar a existência de cartel clássico. Ademais, o Conselheiro Relator propôs dosimetria da multa baseada em cálculo da vantagem auferida considerando estimativa do sobrepreço nos certames. A então Conselheira Lenisa Prado acompanhou o voto do Relator. O Presente do CADE Alexandre Cordeiro, contudo, pediu vista dos autos.

Na 228ª SOJ, o Presidente do CADE Alexandre Cordeiro apresentou voto divergente para arquivar o processo em relação a parte dos representados. Segundo o Presidente, as provas indiretas coletadas seriam insuficientes para comprovar a participação de determinados representados no cartel, dado que (i) contratações das mesmas empresas poderiam ser justificadas pela expertise das prestadoras do serviço, de forma que existiria interpretação lícita razoável para os fatos, e (ii) documentos unilateralmente produzidos sem prova de conduta anticompetitiva não comprovariam, para além de dúvida razoável, a existência de um fato ilícito. Quanto a representados em relação aos quais haveria provas diretas de participação no cartel, o Presidente votou pela imposição de multas calculadas por metodologia distinta da proposta pelo Relator: aplicação, sobre o faturamento bruto no sub-ramo de atividade econômica relacionado à prática anticompetitiva, de alíquota de 18% ao líder do cartel e 15% às demais empresas. Além disso, o Presidente propôs o abatimento do valor de multas eventualmente impostas pela Corregedoria Geral da União em investigações envolvendo os mesmos fatos considerando a similitude dos objetos protegidos pela Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/11) e pela Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013). Os demais membros do Tribunal acompanharam o voto do Presidente, formando maioria.

Dessa forma, o Tribunal condenou as empresas Álya, Delta e COESA, bem como duas pessoas físicas, ao pagamento de multas que alcançam cerca de R$ 22,8 milhões, além de exigir a publicação de extrato da decisão em seus websites.

Tribunal arquiva investigação contra revendedores e empresas do Grupo Pirelli                                                                                                                                                

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, arquivar investigação[15] que buscava apurar suposto cartel de revendedoras e empresas do Grupo Pirelli no mercado de revenda de pneus.

A investigação teve origem em 2018 a partir de denúncia apresentada pela Grid Pneus e Serviços Automotivos Ltda. (Grid). Segundo a Grid, a empresa teria integrado a rede de revendedoras do Grupo Pirelli em 1991, sendo convidada em 2016 por outras revendedoras do grupo para participar de suposto cartel para fixação de preços. O cartel seria gerido por uma revendedora que constituiria o ponto focal, responsável por forçar a adesão ao acordo e a precificação acordada, com monitoramento do acordo pelas fornecedoras Pirelli Comercial de Pneus Brasil Ltda. (Pirelli) e Prometeon TP Industrial de Pneus Brasil Ltda. (Prometeon), esta última uma empresa coligada ao grupo com direitos de licenciamento da marca. Dessa forma, a SG instaurou Processo Administrativo, solicitando a manifestação dos representados. Ao final, contudo, a SG decidiu recomendar o arquivamento da investigação por insuficiência de provas.

Durante a 228ª SOJ, o Conselheiro Relator Gustavo Augusto de Lima apresentou voto pelo arquivamento do processo em relação a todos os representados. Segundo o Relator, não haveria evidências de formação de cartel clássico, dado que não existiam prova de combinação de preços ou condições comerciais entre revendedoras em áudios e vídeos colacionados nos autos pela Grid. Existiriam, por outro lado, evidências de possível definição de margens de lucro das revendedoras pelas fornecedoras, mas “eventual estabelecimento de preços pelo fornecedor, quando destinado apenas aos seus revendedores, no âmbito exclusivo de uma competição intramarca e no curso de uma relação vertical, não caracteriza, por si só, uma conduta de cartel. Na ausência de elementos específicos adicionais, devem tais condutas, a priori, serem analisadas como FPR (fixação de preço de revenda)”. Assim, a possível conduta seria de fixação de preços de revenda, e não cartel. Contudo, “alterar a investigação de cartel para FPR/RPM traria uma grave violação ao direito de defesa do réu. Isso porque, nesse caso, teria que se trazer aos autos novos argumentos fáticos a respeito da regra da razão, como poder de mercado, racionalidade econômica da conduta e possíveis eficiências. Pior ainda que, ao se considerar o precedente do caso “SKF”, o ônus probatório recairia nos representados. Tenho, portanto que, no caso concreto, inovar na acusação dessa forma, no atual estágio processual, seria uma evidente violação ao direito constitucional da ampla defesa e do contraditório”. Os demais membros do Tribunal acompanharam o voto do Relator.

[1] Recurso Extraordinário nº 1.481.555 – PI.
[2] Ato de Concentração nº 08700.001580/2024-52.
[3] Parecer nº 129/2024/CGAA5/SGA1/SG.
[4] Ato de Concentração nº 08700.001697/2024-36.
[5] Procedimento Preparatório nº 08700.000737/2020-07.
[6] Nota Técnica nº 26/2024/CGAA4/SGA1/SG/CADE.
[7] Processo nº 08084.001909/2024-90.
[8] Ofício nº 3842/2024/SG-Triagem Condutas/SGA2/SG/CADE.
[9] Inquérito Administrativo nº 08700.004313/2023-56.
[10] Nota Técnica nº 31/2024/CGAA11/SGA1/SG/CADE.
[11] Ato de Concentração nº 08700.003198/2023-01.
[12] Parecer nº 20/2023/CGAA1/SGA1/SG.
[13] Consulta nº 08700.001177/2024-23.
[14] Processo Administrativo n° 08700.007776/2016-41.
[15] Processo Administrativo nº 08700.003266/2022-42.