229ª e 230ª Sessões Ordinárias do Tribunal do CADE, realizadas em 08 e 22 de maio de 2024. Pautas, atas, e áudio das sessões disponíveis em https://www.gov.br/cade/pt-br


Destaques do CADE

Ministério do Trabalho pede ao Ministério da Justiça análise de atuação do CADE em investigação de entidades de classe

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (“MJSP”) recebeu ofício do Ministério do Trabalho e Emprego (“MTE”)[1] com pedido de “recomendar acurada análise da atuação do CADE” quanto a investigação[2] instaurada pela autarquia contra entidades de classe relacionadas ao jornalismo por supostas práticas anticompetitivas.

Em 2017, o CADE instaurou investigação para apurar suposta influência à adoção de conduta comercial uniforme por entidades de classe do jornalismo, dentre as quais a Federação Nacional dos Jornalistas (“FENAJ”), consistentes na elaboração de tabela de valores mínimos para prestação de serviços jornalísticos por associados. A FENAJ encaminhou então ofício ao MTE alegando que a instauração de investigação pelo CADE seria uma “conduta antissindical”, isto é, ato que prejudica ou nega indevidamente o exercício do direito à atividade sindical, solicitando atuação do MTE perante o CADE para comprovar a licitude das tabelas.

Segundo Nota Informativa da Secretaria de Relações do Trabalho do tem encaminhada ao MJSP, “as tabelas de preços existentes nos sítios eletrônicos dos sindicatos filiados à FENAJ seriam apenas indicações, de caráter referencial e não obrigatório, que sugerem os valores mínimos para remunerar adequadamente cada serviço a ser prestado. […] Assim, sem adentrar no mérito se, ao final, essas tabelas poderiam se configurar em atos anticoncorrenciais ou não, parece-nos que o objetivo das entidades sindicais ao recomendar valores mínimos para a remuneração de serviços jornalísticos foi estabelecer parâmetros para preservação de uma base salarial e uma justa remuneração dos profissionais. Se, de fato, esse foi este o objetivo dos sindicatos, essas recomendações estariam alinhadas às funções sindicais de representação e defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores”. Portanto, “ao atuar sobre o sindicato laboral representativo, o CADE, possivelmente, empreende esforços frente ao exercício das funções basilares e legítimas das entidades sindicais, como a reivindicação por direitos e melhores condições de vida e trabalho a seus representados[3].

[1] Processo nº 08084.002733/2024-93.

[2] Processo Administrativo nº 08700.002566/2017-47.

[3] Nota Informativa SEI nº 1354/2024/TEM.


Destaques do Judiciário

TRF-6 suspende decisão do CADE que tornou indeterminado prazo para desinvestimento da CSN na Usiminas

O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (“TRF-6”) decidiu negar provimento às apelações interpostas pelo CADE e Companhia Siderúrgica Nacional (“CSN”) contra sentença que suspendeu os efeitos de decisão do CADE que tornou indeterminado o prazo para a CSN desinvestir capital na Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S/A (“Usiminas”)[1].

A CSN detém participação na Usiminas devido a uma série de compras de ações iniciada em 2010. À época, o CADE tomou ciência da aquisição das ações por meio de denúncia da própria Usiminas, multando a CSN por não ter notificado a operação. A operação foi analisada pelo CADE em 2014, oportunidade em que o Tribunal condicionou a aprovação da operação a Termo de Compromisso de Desempenho (“TCD”), consistente na imposição de desinvestimento, pela CSN, de ações na Usiminas, além de uma série de restrições ao exercício de direitos políticos na Usiminas. O prazo para cumprimento da obrigação de desinvestimento de ações acabou prorrogado diversas vezes a pedido da CSN, até que a empresa apresentou pedido de repactuação do TCD, argumentando que as preocupações levantadas quando da análise da operação pelo CADE em 2014 eram insubsistentes. Em setembro de 2022, o Tribunal do CADE homologou despacho do Presidente Alexandre Cordeiro que redefiniu para indeterminado o prazo para que a CSN concluísse o desinvestimento de ações detidas na Usiminas, ficando preservadas as demais obrigações do TCD. Segundo o CADE, a manutenção das demais obrigações preservaria a competição, e o Tribunal poderia rever a decisão caso identificasse problemas concorrenciais.

A Usiminas impetrou então mandado de segurança requerendo a anulação do ato homologado pelo Tribunal do CADE, bem como a determinação de que fosse cumprido o TCD em seus termos originários. Documentos tornados públicos pelo CADE revelam que a 11ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de Belo Horizonte/MG concedeu a segurança para suspender os efeitos da decisão do CADE, concedendo prazo adicional de 1 ano para que a CSN cumprisse a obrigação. O CADE e a CSN apelaram da decisão. A Quarta Turma do TRF-6, contudo, negou provimento aos recursos do CADE e CSN, mantendo a integralidade da sentença. A decisão é passível de recurso perante o Superior Tribunal de Justiça.

STJ garante a delatado acesso às negociações de acordo de colaboração premiada

O Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) negou provimento a Recurso Especial[2] interposto pelo Ministério Público Federal (“MPF”) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (“TRF-2”) que concedeu a delatado o acesso às tratativas e audiência de homologação de acordo de colaboração premiada.

Em 2018, o MPF conduziu a Operação Ressonância para apurar supostas fraudes em licitações na área da saúde no estado do Rio de Janeiro. A operação foi um desdobramento da Operação Lava Jato e era baseada em colaborações premiadas. Pessoas físicas citadas pelas colaborações premiadas apresentaram então Habeas Corpus[3] perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro solicitando acesso às gravações e atas das tratativas das negociações prévias e da audiência de homologação dos acordos, para que fosse analisada a legalidade, regularidade e voluntariedade dos colaboradores quando da assinatura dos acordos. A 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro negou o pedido[4], mas a decisão foi revertida pelo TRF2. O MPF recorreu da decisão, alegando que (i) o delatado não tem legitimidade para questionar a validade do acordo de colaboração premiada e (ii) a audiência de homologação de acordo é sigilosa, nos termos do art. 4º, § 7º da Lei nº 12.850/2013.

A Sexta Turma do STJ, contudo, negou provimento ao recurso. Segundo o Ministro Relator Rogerio Schietti Cruz, “Não é apenas o conteúdo das provas fornecidas pelo delator que interfere na esfera jurídica do acusado, porquanto é só por meio do acordo de colaboração que as provas são obtidas. Assim, essas provas só podem ser valoradas se o acordo que levou até elas também for válido”. Nesse sentido, “se o acordo de colaboração premiada – assim como a busca e apreensão – também é meio de obtenção de prova e, por isso, serve de instrumento para a coleta de elementos incriminatórios contra terceiros, é natural que esses terceiros tenham interesse e legitimidade para impugnar não apenas o conteúdo de tais provas, mas também a validade da medida que fez com que elas aportassem aos autos”. Ademais, “ao determinar que deverá “o juiz ouvir sigilosamente o colaborador”, o art. 4º, § 7º, da Lei n. 12.850/2013 não estabelece uma regra perpétua quanto à restrição da publicidade do ato. Trata-se, apenas, de preservar aquele momento incipiente da investigação, em que o sigilo se faz necessário para assegurar a eficácia de diligências em andamento, as quais podem ser frustradas se o indivíduo delatado tiver acesso a elas. Todavia, oferecida e recebida a denúncia, a regra volta a ser a que deve imperar em todo Estado Democrático de Direito, isto é, publicidade dos atos estatais e respeito à ampla defesa e ao contraditório”. Dessa forma, o Ministro Relator manteve a integralidade da sentença, garantindo acesso dos delatados às gravações e atas das tratativas das negociações e da audiência de homologação dos acordos de colaboração premiada.

[1] Consulta Interna nº 08700.003006/2024-39.

[2] REsp nº 1954842/RJ.

[3] Habeas Corpus nº 5012682-06.2020.4.02.0000.

[4] Habeas Corpus nº 5012682-06.2020.4.02.0000.


Destaques da Superintendência-Geral do CADE

SG suspende prazo de defesas em razão de calamidade pública no Rio Grande do Sul

A SG decidiu suspender o prazo para apresentação de defesas em investigação que busca apurar suposta formação de cartel em licitações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (“DNIT”), em razão do estado de calamidade pública no estado do Rio Grande do Sul decorrente de eventos climáticos que resultaram em enchentes[1]. O pedido foi formulado por uma das empresas representadas na investigação, mas estendido a todos os demais representados. Por meio da decisão, o CADE suspendeu o prazo em 15 dias corridos, contados a partir do primeiro dia útil subsequente ao final do prazo regular.

[1] Despacho Decisório nº 22/2024/CGAA7/SGA2/SG/CADE no Processo Administrativo nº 08700.003244/2017-15.

SG conhece e aprova operação envolvendo aquisição de imóvel não operacional

A SG decidiu conhecer e aprovar sem restrições operação[1] consistente na aquisição, pela Cury Incorporadora e Construtora S.A. (“Cury”), de imóvel de propriedade da Gamaro Propriedades Ltda (“Gamaro”), para o desenvolvimento de empreendimento residencial na cidade de São Paulo/SP.

A Cury é uma empresa de capital aberto que integra o Grupo Cyrela, que opera na construção e incorporação de imóveis residenciais e comerciais, com foco na região metropolitana de São Paulo e Rio de Janeiro. A Gamaro integra o Grupo Gamaro, que atua com locação de imóveis residenciais e não-residenciais e com desenvolvimento imobiliário. As requerentes notificaram a operação ad cautelam, alegando que (i) o imóvel não acrescentaria capacidade produtiva à compradora, pois não estaria em operação e demandaria investimentos significativos para o desenvolvimento de empreendimento futuro, e (ii) o imóvel não tem destinação específica para uma atividade econômica atualmente, podendo ser utilizado para qualquer atividade desde que se façam as adequações necessárias.

A SG, contudo, decidiu conhecer a operação. Segundo a SG, “essa discussão já foi superada, inclusive enfrentando argumentos similares, prevalecendo no âmbito deste Conselho o entendimento de que imóveis constituem ativo essencial para o desenvolvimento de certas atividades econômicas, em especial para as atividades de incorporação de empreendimentos imobiliários (atividade da compradora no caso atual)[2]. Nesse sentido, considerando que a compradora opera no setor de incorporação de imóveis, o imóvel objeto da operação seria essencial ao desenvolvimento de sua atividade econômica e geraria incremento de capacidade produtiva na oferta de empreendimentos residenciais. Não obstante, a SG aprovou a operação sem restrições, dado que as sobreposições horizontais no mercado de incorporação imobiliária na cidade de São Paulo/SP envolviam baixas participações de mercado.

SG conhece e aprova operação envolvendo aquisição de terreno do Grupo Carrefour

A SG decidiu conhecer e aprovar sem restrições operação[3] consistente na aquisição, pela Dallasanta Empreendimentos e Incorporações Ltda. (“Dallasanta”), de terreno detido pela WMS Supermercados do Brasil Ltda. (“WMS”) em Santa Cruz do Sul/RS.

A Dallasanta integra o Grupo Dallasanta, com atividades no ramo imobiliário comercial e residencial. A WMS é uma subsidiária do Grupo Carrefour, com atividades no varejo e atacado. A operação consistiu na aquisição, pela Dallasanta, de imóvel da WMS no qual anteriormente funcionava um hipermercado e posto de combustível do Grupo Carrefour, atualmente fechados. As requerentes notificaram a operação ad cautelam, alegando que (i) o imóvel não é operacional e, portanto, não possui faturamento ou participação de mercado e (ii) o Grupo Dallasanta não atua no setor de varejo alimentar de autosserviço ou de revenda de combustível e utilizará o terreno como insumo para desenvolvimento de outros negócios.

A SG, contudo, decidiu conhecer a operação. Segundo a SG, “o posto de combustível localizado no Ativo-Objeto constitui um ativo essencial ao desenvolvimento de atividade econômica (no caso, a revenda de combustível líquido) e que confere capacidade produtiva, sendo muito distinto de um imóvel que demande investimento para torná-lo operacional na oferta de bens ou serviços”, de forma que “a Operação representa uma forma inorgânica (via concentração) de possibilidade de atuação no segmento de revenda de combustíveis[4]. Não obstante, a SG decidiu aprovar a operação sem restrições, dado que configuraria mera substituição de agente econômico, sem sobreposições horizontais ou integrações verticais.

SG conhece operação de subscrição de participação em fundo de investimento

A SG decidiu conhecer e aprovar sem restrições operação[5] consistente na subscrição, pelo BTG Pactual Holding Participações S.A. (“BTG Pactual Holding”), de participação adicional de 5% no Via Appia Fundo de Investimento em Participações Infraestrutura (“FIP Via Appia”).

O BTG Pactual Holding é uma holding detida pelo Banco BTG Pactual, uma instituição financeira. O FIP Via Appia é um fundo de investimento com foco em empresas de concessões de rodovias no Brasil. As requerentes notificaram a operação ad cautelam, alegando que a soma do faturamento das empresas nas quais o FIP Via Appia detém controle ou participação igual ou superior a 20% no capital social ou votante não atingiu o critério legal de faturamento mínimo no ano de 2023 para notificação obrigatória de ato de concentração.

A SG, contudo, decidiu conhecer a operação. Segundo a SG, as partes informaram que, antes de notificar a operação, o FIP Via Appia já havia fechado acordo para aquisição da AB Concessões S.A. (“AB Concessões”). Nesse sentido, “a composição dos grupos econômicos envolvidos deve levar em conta a situação no momento da operação, para fins de cálculo do faturamento”, de forma que “a AB Concessões deve ser considerada parte do grupo econômico do FIP Via Appia, devendo, por conseguinte, seu faturamento ser computado ao faturamento do referido FIP”[6]. Considerando o faturamento da AB Concessões computado para o ano de 2023, o FIP Via Appia cumpriria o requisito legal de faturamento mínimo, de forma que a operação deveria ser conhecida. Não obstante, a SG decidiu aprovar a operação sem restrições, dado que as partes deteriam baixas participações em mercados verticalmente relacionados.

 

[1] Ato de Concentração nº 08700.002406/2024-27.

[2] Parecer nº 188/2024/CGAA5/SGA1/SG.

[3] Ato de Concentração nº 08700.002625/2024-14.

[4] Parecer nº 195/2024/CGAA5/SGA1/SG.

[5] Ato de Concentração nº 08700.002810/2024-09.

[6] Parecer nº 224/2024/CGAA5/SGA1/SG.


Destaques da Sessão de Julgamento

Tribunal arquiva investigação de cartel em razão de nulidade das provas emprestadas de ação criminal

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, arquivar investigação[1] que buscava apurar suposta formação de cartel no mercado de revenda de combustíveis no município de Uberaba/MG, em razão da nulidade das provas emprestadas da ação criminal.

A investigação teve origem em denúncia encaminhada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (“MP-MG”), que compartilhou com o CADE interceptações telefônicas e outras provas derivadas de ação criminal referente à Operação Conexus, a qual buscava apurar suposta formação de cartel em postos de combustíveis na cidade de Uberaba/MG. Contudo, decisões posteriores que transitaram em julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (“TJ-MG”)[2] e do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”)[3] declaram a nulidade das provas compartilhadas com o CADE. Nesse sentido, a 20ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal[4] determinou o desentranhamento das provas dos autos do processo administrativo. Após a instrução da investigação, a SG encaminhou os autos ao Tribunal do CADE com recomendação de arquivamento.

Durante a 229ª Sessão Ordinária de Julgamento (“SOJ”), o Conselheiro Relator Carlos Jacques Vieira Gomes apresentou voto pelo arquivamento da investigação. Segundo o Relator, “uma vez desentranhadas as mídias das interceptações telefônicas, em obediência ao comando judicial, é preciso verificar se há nos autos outros elementos probatórios que não seriam derivados das provas ilícitas e que poderiam ensejar eventual condenação. Isto é, a decretação de nulidade de certas provas não acarreta, automaticamente, a decisão de arquivamento do presente processo administrativo”. Não obstante, “não foram produzidas provas adicionais nos autos, de modo que não há elementos probatórios suficientes de condutas anticompetitivas quando são desentranhadas as provas decretadas ilícitas. Dessa forma, o arquivamento do processo administrativo em análise é medida que se impõe”. Os demais Conselheiros acompanharam o voto do Relator, determinando o arquivamento dos autos.

Tribunal condena cartel no mercado de peças automotivas

O Tribunal do CADE decidiu[5], por unanimidade, condenar pessoa física por participação em cartel de peças automotivas, bem como arquivar a investigação em relação aos demais representados por inexistência de provas.

A investigação teve origem no desmembramento de Processo Administrativo[6] instaurado a partir de Acordo de Leniência para apurar suposta formação de cartel de peças automotivas em razão da impossibilidade de notificação de três pessoas físicas. Após o desmembramento, os representados foram notificados, mas não apresentaram defesa. A SG remeteu os autos ao Tribunal do CADE com recomendação de condenação de dois dos três representados.

Durante a 230ª SOJ, o Conselheiro Relator Carlos Jacques Vieira Gomes apresentou voto pela condenação de apenas um dos representados. Segundo o Relator, para os outros dois representados, “não há qualquer outro elemento de prova capaz de corroborar as provas indiretas e unilaterais que foram apresentadas. Tal necessidade de corroboração se torna mais importante quando verificamos que os únicos elementos de prova disponíveis são oriundos da colaboração de lenientes ou de compromissários, os quais buscam prover a autoridade com o maior número possível de documentos, sem que haja, necessariamente, análise aprofundada do valor probatório de cada elemento de prova”.

O Conselheiro Relator aplicou multa ao representado pessoal física considerando como base de cálculo 1% da multa aplicada à empresa na qual trabalhava, com alíquota final de 1,8% considerando minorantes e majorantes. Os demais Conselheiros acompanharam o voto do Relator.

Tribunal condena cartel em licitações de órteses, próteses e materiais especiais

O Tribunal do CADE decidiu[7], por maioria, condenar a empresa Boston Scientific do Brasil Ltda (“Boston Scientific”), bem como a Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde (“ABIMED”) e demais funcionários e ex-funcionários, por formação de cartel em licitações para aquisição de órteses, próteses e materiais especiais.

A investigação teve origem em 2015 a partir de solicitação do Ministério da Saúde para apuração de fatos noticiados em reportagem denominada “Máfia das Próteses”, veiculada no programa “Fantástico” da TV Globo. Durante a investigação, foi celebrado Acordo de Leniência parcial pela Medtronic Comercial Ltda. (“Medtronic”), bem como Termos de Compromisso de Cessação (“TCCs”) por representados que reconheceram sua participação no cartel. Segundo apurado pela SG, existiriam provas que demonstrariam trocas de informações sensíveis, fixação de preços e divisão de mercado em licitações entre 2004 e 2015 no segmento de estimuladores cardíacos implantáveis e itens acessórios, utilizados no diagnóstico e tratamento de cardiopatias. Dessa forma, a SG remeteu os autos ao Tribunal do CADE com recomendação de condenação.

Durante a 220ª SOJ realizada em setembro de 2023, o então Conselheiro Relator Luis Braido apresentou voto pela condenação de parte dos representados. Segundo o Relator, existiriam provas consistentes em e-mails, tabelas de divisão de mercado, alterações de editais de licitação e propostas de cobertura suficientes que demonstrariam a materialidade das condutas de troca de informação e cartel em licitações por parte da Boston Scientific, ABIMED e respectivos funcionários e ex-funcionários. Dessa forma, o Relator aplicou multa à Boston Scientific considerando como base de cálculo o faturamento bruto com a venda de produtos e materiais médico-hospitalares no ano anterior à instauração do Processo Administrativo (isto é, 2015), com aplicação de alíquota de 15%. Ademais, à beneficiária do Acordo de Leniência parcial Medtronic, o Relator aplicou alíquota com base no menor percentual aplicado aos demais Representados, isto é, 12% fixado em TCCs. O julgamento, contudo, foi suspenso em razão de pedidos de vista.

Após a suspensão do processo, a Medtronic apresentou petição alegando que: (i) o ano de referência do faturamento deveria ser 2014, dado que em relação à signatária do Acordo de Leniência o Processo Administrativo havia sido instaurado um ano antes, e (ii) a alíquota da sua multa deveria ser inferior àquela atribuída aos demais representados.

O Conselheiro Victor Fernandes apresentou, então, voto divergente em relação à dosimetria da multa aplicada à Medtronic na 221ª SOJ subsequente, realizada em outubro de 2023. Segundo o Conselheiro, o ano de referência para cálculo da multa deveria ser individualizado para cada representado, de forma que a base de cálculo de Medtronic deveria considerar o ano de 2014. Ademais, a alíquota da pena deveria ser fixada em, no máximo 12%, dado que o art. 86, §5º, da Lei nº 12.529/11 estabelece que a multa do signatário de Leniência Parcial não será superior à menor pena aplicada aos demais representados. Assim, “como previsto no recém editado Guia de Dosimetria do CADE (2023), para os casos de carteis hard core, toma-se como referência uma alíquota de 15% diante de um máximo legal de 20%. Em uma lógica de proporcionalidade, entendo que se para o signatário da leniência parcial no caso em tela a alíquota máxima passa a ser de 12%, a alíquota de referência estabiliza-se em 9%”. Dessa forma, o Conselheiro fixou alíquota de 9% à Medtronic. O Conselheiro Relator apresentou alteração no voto para acompanhar a sugestão do Conselheiro Victor e o então Conselheiro Luiz Hoffmann antecipou voto acompanhando a divergência. O processo foi novamente suspenso em razão do pedido de vista do Presidente do CADE Alexandre Cordeiro.

Durante a 230ª SOJ, o Presidente do CADE Alexandre Cordeiro e a Conselheira Camila Pires Alvees apresentaram voto acompanhando o Conselheiro Relator, bem como o Conselheiro Victor Fernandes, a respeito da dosimetria da multa, formando-se maioria. Restaram vencidos os Conselheiros Lenisa Prado e Gustavo Augusto de Lima no que se refere ao arquivamento da investigação em relação a certos representados por falta de provas. As multas aplicadas pelo Tribunal do CADE alcançaram R$ 100 milhões.

Tribunal não conhece recurso contra decisão envolvendo conhecimento de operação de aquisição de terreno

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, não conhecer do recurso apresentado por Riva Incorporadora S.A. (“Riva”) e Carrefour Comércio e Indústria Ltda. (“Carrefour”), contra decisão da SG que conheceu, mas aprovou sem restrições, operação envolvendo aquisição de terreno[8].

A Riva é uma incorporadora que desenvolve e comercializa empreendimentos imobiliários. O Carrefour integra o Grupo Carrefour, que atua no comércio varejista. A operação envolveu a aquisição, pela Riva, de terreno do Carrefour no município do Rio de Janeiro/RJ com construção que será demolida para o desenvolvimento de empreendimento imobiliário residencial. As requerentes notificaram a operação ad cautelam, alegando que a compra de terreno para desenvolvimento de empreendimento imobiliário não seria um Ato de Concentração de notificação obrigatória, dado que (i) não envolve atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços; (ii) não guarda relação com a atividade da compradora; e (iii) eventual incremento de capacidade produtiva não resultaria da aquisição do terreno, posto que demandaria demandará investimentos significativos para atender a uma destinação diversa.

Em abril de 2024, a SG decidiu conhecer operação, por entender que o terreno seria um ativo essencial para o desenvolvimento da atividade de incorporação imobiliária, mas a aprovou sem restrições em razão das baixas participações de mercado. As requerentes apresentaram recurso contra a decisão da SG, reiterando que a operação não deveria ser conhecida. Segundo as requerentes, a construção e comercialização de unidades residenciais em área onde não há atividade econômica não deveria estar sujeita ao controle prévio de atos de concentração pelo CADE.

Durante a 230ª SOJ, contudo, a Conselheira Relatora Camila Alves apresentou voto pelo não conhecimento do recurso. Segundo a Conselheira Relatora, “Ainda que reconheça a legitimidade e importância do tema, concluo que as requerentes do presente ato de concentração, ora Recorrentes, não demonstraram interesse recursal no caso concreto para interpor recurso contra a decisão de aprovação sem restrições emitida pela SG/Cade”, dado que “não lograram demonstrar eventual vantagem a ser obtida com o recurso. Com efeito, em nenhum momento há qualquer preocupação em descrever, mesmo superficialmente, qualquer prejuízo, no caso concreto, decorrente da decisão questionada[9]. Os demais Conselheiros acompanharam a Relator. Dessa forma, o recurso não foi conhecido.

Tribunal aprova aditivos aos TCCs da Petrobras

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, homologar aditivos a Termos de Compromisso de Cessação (“TCCs”) firmados com a Petrobras, conhecidos como “TCC do Gás”[10] e “TCC do Refino”[11].

Em 2019, o CADE e a Petrobras celebraram dois TCCs para encerrar investigações que buscavam apurar supostos abusos de posição dominante, pela Petrobras, nos mercados nacionais de gás natural e refino de petróleo. O primeiro TCC, conhecido como “TCC do Gás”, foi celebrado no contexto de investigação[12] que apurava suposta discriminação de preços e recusa de contratar no mercado nacional de gás natural. Por meio do TCC, o CADE suspendeu a investigação sob a condição de que a Petrobras, dentre outras obrigações, venderia sua participação em transportadoras, incluindo a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. (“TBG”). O segundo TCC, conhecido como “TCC do Refino”, foi celebrado no contexto de investigação[13] que apurava suposto abuso no mercado nacional de refino de petróleo decorrente da estrutura de quase-monopólio na venda de derivados de petróleo e quase-monopsônio na aquisição do petróleo pela Petrobras. Por meio do TCC, o CADE suspendeu a investigação sob a condição de que a Petrobras venderia oito refinarias, dentre as quais três já teriam sido alienadas.

Em maio de 2024, a Petrobras apresentou pedidos para repactuação de cláusulas dos TCCs do Gás e do Refino. No que se refere ao TCC do Gás, a Petrobras solicitou alteração da cláusula que exigiria a alienação de sua participação na TBG, a fim de que fossem apenas instituídos mecanismos de governança para reduzir a interferência da Petrobras na TBG. No que se refere ao TCC do Refino, a Petrobras solicitou alteração às cláusulas que exigiram a alienação integral de cinco refinarias, a fim de que fosse apenas exigido da Petrobras a divulgação de suas diretrizes comerciais para entregas de petróleo de forma não-discriminatória, a oferta de um tipo específico de contrato para qualquer refinaria independente em território brasileiro relacionada ao fornecimento de petróleo, além do pronto acesso a dados confidenciais para viabilizar o monitoramento pelo CADE. Segundo a Petrobras, desde a pactuação dos TCCs (i) existiriam alterações na estrutura dos mercados regulados que reduziriam as preocupações concorrenciais identificadas, (ii) sendo que a Petrobras tentou alienar sem sucesso suas participações e ativos e (iii) seu Plano Estratégico para 2024-2028 previa uma estratégia distinta daquela vigente à época da assinatura do TCC.

De fato, a SG confirmou a inexistência de descumprimento dos TCCs, pela Petrobras, em razão da não alienação das suas participações em refinarias, considerando justificativas legítimas previstas nos próprios TCCs para os casos de insucesso nas vendas. Ademais, a SG remeteu os autos ao Tribunal do CADE com sugestão de repactuação dos TCCs. Segundo a SG, o mercado nacional de gás teria experimentado uma desverticalização parcial em razão das vendas já realizadas pela Petrobras em outras transportadoras, sendo que a Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134) garantiu acesso não discriminatório às infraestruturas de escoamento, transporte e processamento de gás natural, permitindo abertura do mercado e a entrada de novos agentes, reduzindo as preocupações concorrenciais. Da mesma forma, o mercado de refino teria experimentado a entrada de novos agentes com a compra das refinarias e existiria uma demanda externa à Petrobras, sendo que os compromissos comportamentais propostos mitigariam eventuais preocupações. Nesse sentido, os termos de repactuação propostos pela Petrobras estariam em conformidade à política concorrencial.

Durante a 230ª SOJ, o Presidente Alexandre Cordeiro apresentou Despachos[14] pela repactuação dos TCCs. Segundo o Presidente, “no momento em que um TCC é celebrado, estabelecem-se obrigações de acordo com a estrutura e condições de mercado naquele momento. Caso haja mudanças significativas, as quais afetem a necessidade ou eficácia das obrigações impostas, é razoável que haja uma revisão dos termos do acordo. Renegociação não se traduz em descumprimento. (…) Sempre que possível, deve a Administração Pública privilegiar a consensualidade e não a imposição. Renegociar acordos é uma forma de fortalecer a consensualidade entre administrador e administrados. Dito isso, no contexto do TCC, são evidentes dois benefícios com o sistema de monitoramento proposto: celeridade e eficiência na gestão dos recursos públicos[15]. Os demais Conselheiros homologaram o Despacho da Presidência.

Tribunal aprova acordo para encerrar investigação de gun jumping no setor automotivo

O Tribunal do CADE decidiu, por unanimidade, homologar Acordo em Controle de Concentrações (“ACC”) proposto pelas empresas Govesa Veículos Ltda. (“Govesa”) e Kurumá Veículos S.A. (“Kurumá”) para encerrar investigação[16] que buscava apurar a consumação de operação de transferência de concessionária sem notificação obrigatória ao CADE.

Em 2019, a SG recebeu denúncia[17] noticiando a suposta consumação de uma série de operações envolvendo a transferências de ativos e estabelecimentos comerciais entre concessionárias de veículos sem a aprovação prévia do CADE (gun jumping), dentre as quais operação a aquisição, pela Kurumá, de direitos e ativos da marca Toyota detidos pela Govesa no ano de 2017. A SG instaurou então investigação, constatando que a operação seria de notificação obrigatória ao CADE. Dessa forma, a SG remeteu os autos ao Tribunal do CADE com recomendação de condenação das empresas pela prática de gun jumping. Durante a 220ª SOJ realizada em setembro de 2023, o Tribunal decidiu, por unanimidade, reconhecer que a configuração da prática de gun jumping, determinando a notificação da operação ao CADE. O cálculo da multa ficou sobrestado até decisão de mérito no âmbito do Ato de Concentração, que foi aprovado sem restrições em outubro de 2023[18].

Durante a 228ª SOJ, realizada em abril de 2024, o Conselheiro Relator Gustavo Augusto de Lima apresentou voto propondo definição para o valor da multa a ser aplicada. O Conselheiro Relator fixou como base de cálculo o valor de R$ 60.000,00, somando-se 0,01% do valor da operação por cada dia de atraso e 0,04% do faturamento médio dos grupos, considerando a baixa intencionalidade da infração. Dessa forma, o valor final da multa atingiu R$ 4.006.273,52, representando cerca de 30% do valor da operação. O julgamento, contudo, foi suspenso em razão de pedido de vista do Conselheiro José Levi Mello do Amaral Junior. Após o pedido de vista, as partes apresentaram propostas de ACC.

Durante a 229ª SOJ, o Conselheiro José Levi Mello do Amaral Junior apresentou voto conjunto com o Conselheiro Diogo Thomson de Andrade propondo a homologação de ACC apresentado pelas partes. Segundo os Conselheiros, “Como medida de proporcionalidade – e considerando os limites fixados pelo art. 88, §3º, da Lei 12.529, de 2011 –, as multas decorrentes de gun jumping devem respeitar o limite de 20% do valor atualizado da operação em analogia ao art. 37, I da Lei 12.529, de 2011, que estabelece valor máximo de 20% do faturamento bruto em casos de infração à ordem econômica. Tal dispositivo não se aplica se verificada conduta dolosa das partes em não submeter ao Cade ato de concentração de notificação obrigatória”. Nesse sentido, o ACC cumpriria o patamar de 20% do valor da operação estabelecido pelo critério de proporcionalidade. Os demais Conselheiros acompanharam o voto-vista. O Conselheiro Relator alterou seu voto para ajustar os valores aos termos do voto-vista. Dessa forma, o Tribunal homologou, por unanimidade, ACC para encerrar a investigação.

[1] Processo Administrativo nº 08700.005915/2022-40.

[2] HC nº 1.00000.22.251147-9/000.

[3] RHC nº 147755-MG.

[4] Mandado de Segurança nº 1069016-38.2023.4.01.3400.

[5] Processo Administrativo nº 08700.004558/2019-05.

[6] Processo Administrativo nº 08700.006065/2017-30.

[7] Processo Administrativo nº 08700.003699/2017-31.

[8] Ato de Concentração nº 08700.002034/2024-39.

[9] Despacho Decisório nº 8/2024/GAB5/CADE.

[10] Requerimento de TCC nº 08700.003136/2019-12.

[11] Requerimento de TCC nº 08700.002715/2019-30.

[12] Inquérito Administrativo nº 08700.007130/2015-82.

[13] Inquérito Administrativo nº 08700.006955/2018-22.

[14] Despachos da Presidência de nº 55/2024 e nº 56/2024.

[15] Despacho da Presidência nº 56/2024.

[16] Procedimento Administrativo para Apuração de Ato de Concentração nº 08700.005463/2019-09.

[17] Denúncia nº 08700.003214/2019-71.

[18] Ato de Concentração nº 08700.007195/2023-38.