Sessão realizada em 19 de fevereiro de 2020. Pautas, atas e áudio da sessão disponíveis em www.cade.gov.br
Destaques do CADE
CADE lança anuário de 2019
O CADE lançou o Anuário 2019, que tem como objetivo apresentar os resultados obtidos pela atuação da autarquia nesse ano.
A publicação reporta que, no ano passado, 442 atos de concentração foram submetidos à análise do CADE, sendo os mercados de planos de saúde, incorporação de empreendimentos imobiliários, extração de petróleo e gás natural e geração, transmissão e distribuição de energia elétrica os principais setores envolvidos. Da perspective de condutas, o CADE instaurou 89 investigações, sendo 39 referentes a prática de cartel, 36 referentes a condutas unilaterais e 14 envolvendo influência a conduta comercial uniforme. Em 2019, o CADE julgou 28 casos, resultando em um total de R$792,5 milhões em multas aplicadas.
Além disso, o anuário também traz informações sobre cooperações institucionais e números internos sobre a autarquia, como perfil dos servidores e apresentação dos novos membros do Tribunal. O documento completo pode ser consultado no website do CADE.
Destaques da Superintendência-Geral do CADE
Decisão da SG pode alterar cálculo de faturamento de fundos de investimento
A Superintendência-Geral decidiu conhecer operação de aquisição de participação no capital social da empresa Kepler Weber S.A. pelo fundo de investimento Siros FIA IE (1). O conhecimento da operação pode alterar o método de cálculo de faturamento de fundos de investimento para fins de notificação de operações ao CADE.
Isso porque, ao conhecer a operação, a SG considerou que o faturamento do grupo econômico do fundo de investimento Siros FIA IE, parte adquirente, deveria incluir também o faturamento obtido pelo grupo econômico de sua gestora, a Tarpon Gestora de Recursos S.A. Nesse caso, somando-se o faturamento do grupo econômico do Siros FIA IE ao de sua gestora, o fundo alcançaria faturamento bruto superior a R$ 750 milhões no ano anterior à realização da operação. Posto que a Kepler Weber S.A., por sua vez, teria obtido faturamento bruto entre R$ 75 milhões e R$ 750 milhões nesse ano, a SG entendeu que operação deveria ser submetida ao CADE como Ato de Concentração. Dessa forma, a SG conheceu a operação e realizou análise de seus efeitos sobre a concorrência, aprovando-a sem restrições.
No entanto, a Resolução CADE nº 02/2012 estabelece que, para fins de cálculo de faturamento de fundos de investimento, considera-se grupo econômico, cumulativamente, (i) o grupo econômico de cada cotista que detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 50% das cotas desse fundo; (ii) as empresas controladas pelo fundo e as empresas nas quais o referido fundo detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 20% das cotas; e (iii) o próprio fundo envolvido na operação. Dessa forma, nos termos da resolução, o faturamento obtido pelos gestores dos fundos de investimentos não deveria ser considerado nesse cálculo. Esse foi o entendimento do CADE em diversas oportunidades.
Portanto, o conhecimento da operação pela SG que entendeu, a partir de discussão suscitada pelas Requerentes, que a gestora do Siros FIA IE teria controle de fato sobre o fundo, devendo ter seu faturamento considerado para fins de notificação ao CADE da operação realizada pelo fundo, pode alterar o método de cálculo de faturamento de fundos de investimento.
Em 27 de fevereiro, a Conselheira Lenisa Rodrigues Prado emitiu o Despacho Decisório nº 9/2020/GAB1/CADE solicitando a avocação do caso pelo Tribunal do CADE por entender “pertinente que a Operação seja apreciada por este Plenário de modo que possa ser apurado com o devido cuidado a interpretação sobre a definição de grupos econômicos de fundos de investimento”. O despacho de avocação está pendente de aprovação pela Tribunal do CADE na próxima Sessão de Julgamento.
SG impõe medida preventiva em face de sindicatos de academias e de profissionais de educação física
A Superintendência-Geral impôs sua primeira medida preventiva do ano e instaurou inquérito administrativo em face do Sindicato das Academias do Rio de Janeiro (SINDACAD/RJ) e do Sindicato dos Profissionais de Educação Física do Rio e Janeiro (SINPEF/RJ) (2). A investigação teve início após a apresentação de representações pelas redes de academias Smart Fit e Self It em novembro de 2019 (3).
Como verificou a SG, o SINDACAD/RJ e o SINPEF/RJ inseriram em sua Convenção Coletiva de Trabalho 2019/2020 cláusula que limita o número de alunos que podem ser supervisionados por profissionais de educação física. Tal cláusula poderia inviabilizar a operação de academias que adotam modelo de baixo custo (“low cost, low fare”), além de criar barreiras ao surgimento de novos modelos de negócios no setor de academias de ginástica. Assim, haveria fortes indícios de que os sindicatos buscavam inibir a livre concorrência no mercado de academias de ginástica da cidade do Rio de Janeiro.
A SG destacou também que o SINDACAD/RJ foi condenado pelo CADE em 2013 por inserir na Convenção Coletiva de Trabalho 2010/2011 cláusula análoga à adotada na Convenção Coletiva de Trabalho 2019/2020, ou seja, que também limitava o número de alunos que podem ser supervisionados por profissionais de educação física. Assim, o sindicato não poderia alegar desconhecimento da ilegalidade da cláusula à luz do direito da concorrência, e a conduta configuraria, a princípio, reincidência.
Dessa forma, a SG impôs medida preventiva em face dos sindicatos, determinando a imediata suspensão dos efeitos da cláusula que limita o número de alunos que podem ser supervisionados por profissionais de educação física. A decisão prevê multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento.
SG arquiva investigação no mercado de serviços de cobrança de créditos inadimplentes
A Superintendência-Geral arquivou procedimento preparatório (4) iniciado após representação da Atual Assessoria de Cobrança Ltda. e da Associação Nacional das Empresas de Recuperação de Crédito (ASERC) em face do Banco do Brasil e da Banco do Brasil Tecnologia e Serviços, sua subsidiária.
Segundo as Representantes, a contratação exclusiva da Banco do Brasil Tecnologia e Serviços pelo Banco do Brasil para a execução do serviço de cobrança extrajudicial de créditos inadimplentes do banco configuraria prática anticompetitiva. Isso porque esta relação de exclusividade resultaria no fechamento de um mercado à jusante (mercado de cobrança extrajudicial de créditos inadimplentes) por um agente com posição dominante no mercado à montante (mercado de crédito bancário).
Conforme o parecer da SG pelo arquivamento da investigação, o Banco do Brasil não teria capacidade de fechar o mercado de cobrança extrajudicial de créditos inadimplentes por meio da contratação exclusiva de sua subsidiária. Isso porque, embora o banco detenha aproximadamente 21,5% de participação no mercado de gestão de créditos inadimplentes detidas por instituições financeiras, existem muitas outras instituições financeiras com carteiras de créditos vencidos que continuariam a demandar os serviços de cobrança das concorrentes da Banco do Brasil Tecnologia e Serviços. Assim, não haveria indícios de infração à ordem econômica.
SG instaura inquérito para averiguar suposta coordenação envolvendo o plano de recuperação judicial da Avianca
A Superintendência-Geral instaurou inquérito administrativo (5) a fim de analisar possível conduta comercial coordenada promovida pelo fundo Elliot em conjunto com a Gol e a Latam no âmbito do leilão da recuperação judicial da Avianca.
A investigação teve início após o Departamento de Estudos Econômicos do CADE (DEE) realizar um estudo para analisar a estrutura do mercado de transporte aéreo de passageiros com foco no plano de recuperação da Avianca elaborado pelo fundo Elliot, que indicava que o cenário mais preocupante para o setor seria no caso de a Latam e a Gol adquirirem os ativos da empresa. Por conta dos riscos apontados, a SG decidiu oficiar Gol, Avianca, Latam e Azul solicitando informações sobre suas participações na negociação do plano de recuperação da Avianca e cópias das comunicações realizadas entre as quatro empresas e o fundo Elliot.
Conforme o parecer da SG pela conversão do então procedimento preparatório em inquérito administrativo, o desmembramento de slots da Avianca referentes à ponte aérea Rio-São Paulo em diferentes UPIs em leilão realizado no âmbito de seu plano de recuperação judicial poderia ter como objetivo afastar o interesse de outras empresas que não a Gol e a Latam nesses ativos. Isso porque, conforme informado pela Azul, outras empresas que não Gol e Latam não seriam capazes de alcançar escala e número de voos diários suficientes nessa ponte aérea caso adquirissem os slots desmembrados da Avianca. Ainda, segundo a SG, o resultado do leilão de ativos da Avianca corroboraria esse entendimento, posto que as duas únicas participantes foram Gol e Latam.
Assim, a SG instaurou um inquérito para investigar a suposta conduta, tendo oficiado as três empresas envolvidas a se manifestarem sobre os termos da nota técnica que sugeriu a instauração do processo.
SG aprova contrato associativo entre Carrefour e Super Nosso
A Superintendência-Geral aprovou sem restrições parceria comercial entre Grupo Super Nosso e Carrefour Comércio e Indústria Ltda. para a gestão e prestação de serviços de consultoria estratégica para lojas de supermercado do Carrefour localizadas em Belo Horizonte/MG e Lagoa Santa/MG (6). Conforme o parecer pela aprovação da operação, as lojas objeto do negócio continuarão a ser detidas pelo Carrefour, mas passarão a ser operadas sob a bandeira Super Nosso.
Dentre as razões de aprovação da operação sem restrições, a SG destacou o número expressivo de entradas nos mercados relevantes nos últimos cinco anos, além do fato de que as unidades objeto da parceria tiveram queda na participação do total de faturamento de cada região em que se localizam, tratando-se de concorrentes de menor importância nesses mercados. Assim, haveria rivalidade e entradas suficientes para mitigar eventual tentativa de exercício de poder de mercado pelas Requerentes.
Julgamentos relevantes do Tribunal do CADE
Operação entre Brink’s e Tecnoguarda é aprovada mediante celebração de ACC com o CADE
O Tribunal do CADE decidiu, por maioria, aprovar a aquisição de ativos de transporte e custódia de valores da Tecnoguarda pela Brink’s mediante a celebração de um Acordo em Controle de Concentração (ACC) (7 e 8).
Segundo o Conselheiro Relator Maurício Bandeira Maia, a operação geraria preocupações concorrenciais principalmente no Estado do Mato Grosso, onde a Brink’s já possuía expressiva participação no mercado de transporte de valores e a operação resultaria em sobreposição horizontal. Para o Conselheiro Relator, no entanto, essas preocupações concorrenciais poderiam ser afastadas por meio de um remédio comportamental consistente nos seguintes compromissos para a Brink’s:
(i) não participar, por um período de três anos, de atos de concentração envolvendo outras empresas que ofertem serviços de transporte de valores no Brasil, exceto se, cumulativamente: (a) a participação do grupo econômico da Brink’s no mercado de transporte de valores permanecer igual ou inferior a 20% em todos os estados em que houver sobreposição horizontal; e (b) a participação combinada dos 4 maiores grupos econômicos no mercado de transporte de valores permanecer igual ou inferior a 75%, em todos os Estados em que houver sobreposição horizontal;
(ii) submeter como atos de concentração operações com empresas que ofertem serviços de transporte de valores no Brasil que se enquadrem nas exceções (a) e (b) do item acima, ainda que não atinjam os critérios de notificação obrigatória previstos na Lei nº 12.529/2011, por um período de três anos;
(iii) informar o CADE sobre quaisquer operações no mercado de transporte de valores por um período de dois anos após o prazo de três anos dos itens acima; e
(iv) não participar, por um período de cinco anos, de atos de concentração envolvendo outras empresas que ofertem serviços de transporte de valores no Estado do Mato Grosso, exceto se, cumulativamente: (a) a participação do grupo econômico da Brink’s no mercado de transporte de valores permanecer igual ou inferior a 20% no Estado do Mato Grosso; e (b) a participação combinada dos 4 maiores grupos econômicos no mercado de transporte de valores permanecer igual ou inferior a 75% em todos os Estados em que houver sobreposição horizontal.
Tais remédios, segundo o Conselheiro Relator, seriam suficientes para permitir o crescimento de rivais e mesmo a entrada de novos agentes no mercado local. Ainda, o Relator determinou o envio de cópia da decisão proferida pelo CADE à Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (“Seprac”) “para que tenha ciência da tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei nº 4238/2012, podendo assim atuar pela advocacia da concorrência, promovendo um debate efetivo sobre seus potenciais efeitos negativos à concorrência no mercado relevante de transporte e custódia de valores”. O voto do Conselheiro Relator foi acompanhado pelo Conselheiro Luis Henrique Braido e pelo Presidente Alexandre Barreto de Souza.
Divergindo do Relator, a Conselheira Paula Farani votou pela reprovação da operação, entendendo que um remédio comportamental não seria suficiente para endereçar os riscos à concorrência causados. Isso porque o comportamento dos mercados de transporte de valores dos Estados de Mato Grosso e Goiás, onde a operação resultaria em concentração de mercado significativa, demonstraria não haver incentivos à entrada de novos agentes ou desenvolvimento dos pré-existentes, ao passo em que haveria incentivos e meios para favorecer a coordenação entre os agentes nesses mercados. Dessa forma, um remédio comportamental seria insuficiente dado o risco de coordenação entre os três únicos agentes que restariam nesses Estados (Brink’s, Prosegur, e Protege). A Conselheira Lenisa Prado acompanhou o voto da Conselheira Paula Farani pela reprovação da operação. O Conselheiro Sérgio Ravagnani, por fim, votou pela aprovação da operação condicionada ao desinvestimento de ativos relativos ao Estado de Mato Grosso, divergindo também do Conselheiro Relator.
Assim, a votação restou empatada em três votos a três, de forma que o Presidente Alexandre Barreto de Souza fez uso do voto de qualidade pela aprovação da operação condicionada ao ACC apresentado pelo Conselheiro Relator.
Tribunal declara que o MPF não tem legitimidade para recorrer em atos de concentração
Após a Superintendência-Geral aprovar sem restrições o ato de concentração que compreendia (a) a aquisição, pela Boeing Brasil, de controle sobre o negócio de aviação da Embraer e (b) a criação de uma joint venture entre a Boeing e a Embraer (9), o Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso solicitando a análise da operação pelo Tribunal do CADE.
Em seu recurso, o MPF argumentou que o Tribunal deveria avaliar a operação para que fossem “melhor compreendidas e enfrentadas as circunstâncias do mercado de aviação comercial inferior a 100 assentos, e as consequências decorrentes do poder de portfólio” da Boeing. Isso porque a Embraer deteria “significativo nível de sucesso” em âmbito regional no segmento de aeronaves com menos de 100 assentos, de forma que a operação poderia resultar em aumento de poder de portfólio da Boeing.
Conforme o Despacho Decisório nº 4/2020/GAB6/CADE, o Conselheiro Relator Luiz Augusto Hoffmann entendeu que o Ministério Público Federal não dispõe de legitimidade para interpor recursos em face de decisões do CADE no âmbito de atos de concentração econômica, face à ausência de previsão legal que possibilitasse o MPF a atuar de tal forma. O Conselheiro Relator destacou que houve expressa deliberação do Poder Legislativo quanto à vedação da participação do MPF em atos de concentração durante a tramitação dos Projetos de Lei que resultaram na edição da Lei nº 12.529/2011.
Dessa forma, o Conselheiro Relator decidiu por não conhecer o recurso e determinar seu arquivamento, sendo acompanhado pela maioria do Tribunal, tendo divergido apenas o Presidente Alexandre Barreto de Souza.
(1) Ato de Concentração nº 08700.000180/2020-04.
(2) Inquérito Administrativo nº 08700.005683/2019-24.
(3) A AJDC representa a Smart Fit nesse procedimento.
(4) Procedimento Preparatório nº 08700.000956/2019-44.
(5) Inquérito Administrativo nº 08700.002069/2019-19.
(6) Ato de Concentração nº 08700.005364/2019-19.
(7) Ato de Concentração nº 08700.001692/2019-46.
(8) A AJDC representou a Tecnologia Bancária S.A. (TecBan) como terceira interessada nesse procedimento.
(9) Ato de Concentração nº 08700.003896/2019-11.